[okfn-br] Fwd: [thackday] O que ouvi neste primeiro dia de OGP

Everton Zanella Alvarenga everton137 em gmail.com
Quinta Outubro 31 23:39:11 UTC 2013


---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Patrícia Cornils <patriciacornils em gmail.com>
Data: 31 de outubro de 2013 21:20
Assunto: [thackday] O que ouvi neste primeiro dia de OGP
Para: thackday <thackday em googlegroups.com>



Estou em Londres acompanhando o Encontro da Parceria para o Governo Aberto.
Essas são algumas das coisas que achei interessantes hoje. (Aqui tem
relatos da Gisele Craveiro e da Iara Pietricovsky:
https://groups.google.com/forum/#!msg/ogp-br/c-ybSALhlCs/-a6eFmsvEBUJ).

Deem dois descontos. Primeiro, meu inglês meiaboca faz com que eu perca
partes importantes das conversas. As partes escritas aí embaixo entendi
direitinho, mas posso ter perdido coisas mais interessantes ainda :)
Segundo, acontece muita coisa ao mesmo tempo, então... enfim, posso ter
perdido coisas importantes. Mas aqui vão algumas interessantes. Acho que
devo pedir um terceiro desconto: escrevo muito... demais. Mas está por
itens, algum há de lhe interessar, caro leitor. :p

1. Quem é o dono?
O primeiro-ministro do Reino Unido, David Cameron, anunciou que o governo
vai criar e tornar público o que eles chamam de “register of beneficial
ownership” – um registro central de quem recebe benefícios por ser
proprietário de uma empresa, ou seja, de quem são os proprirtários reais de
uma empresa.


 De acordo com a OKFN, essa era uma das principais demandas da sociedade
civil no debate sobre o plano de ação britânico na OGP. “Hoje, a
propriedade de fato de uma empresa é uma informação secreta e empresas de
fachada são frequentemente usadas para encobrir a identidade de pessoas
envolvidas em uma enorme variedade de atividades ilegais – desde crime
organizado até corrupção, evasão de impostos ou financiamento de
terroristas”.

Links (em inglês, sorry folks!)

Discurso do primeiro-ministro -
https://www.gov.uk/government/speeches/pm-speech-at-open-government-partnership-2013


 Post da OKFN -
http://blog.okfn.org/2013/10/31/uk-takes-lead-on-ending-company-secrecy-at-open-government-partnership-summit/


2. Mapear
Uma parte do discurso do Cameron que me incomodou:

“A Grã Bretanha não foi a primeira potência industrial do mundo só por
causa do ferro e do carvão que havia sob nosso chão. Foi porque nós
asseguramos os direitos de propriedade, mercados relativamente abertos e
flexíveis para trabalho e capital e um sistema em que a inovação, o
investimento e as empresas puderam prosperar. E crucialmente tudo isso foi
fundamentado por uma relativa estabilidade política e o início de uma
democracia parlamentar. Nós fechamos as portas à economia criada pelo
feudalismo feudal e construímos instituições políticas capazes de
compartilhar o poder”.

Nada demais, além de ser uma interpretação liberal da história e do fato de
que, bem, eles se acham. Mas logo depois ele diz que “os países do G8 vão
trabalhar com nações em desenvolvimento para fortalecer suas políticas e
instituições fundiárias e isso vai significar que as pessoas vão ter
direitos claros sobre as terras em que vivem, cultivam e trabalham. A Grã
Bretanha vai trabalhar especificamente com o governo da Tanzânia na criação
de um novo órgão público da posse da terra [uma espécie de INCRA deles]
para definir quem é dono de quê naquele país.”

Me lembrei do David Harvey, geógrafo inglês, marxista, falando sobre a
“acumulação do capital por espoliação”. Aqui:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10151506315632567&set=a.379131217566.158485.788092566&type=3&theater

Resumo da ópera: “Para achar algo que cresça eternamente a uma taxa de 3%
ao ano, é preciso abarcar cada vez mais coisas com esses excedentes...
achar onde aplicá-los. Nos últimos trinta anos, diz ele, esta grana não foi
para a produção, mas para mercados financeiros, bolhas imobiliárias, bolha
da internet... gerando novas crises e ampliando o que ele chama de
'acumulação por esbulho'. Exemplos: a apropriação de impostos, nos países
desenvolvidos, recursos públicos retirados do sistema de seguridade social
e entregues aos bancos. Ou o esbulho (a tradução é minha, ele fala
'dispossession') de recursos naturais, no mundo em desenvolvimento --
terra, minério, água.”


Mapear a propriedade de terras é uma maneira de mapear novas fronteiras de
acumulação do capital. Eu disse que isso me incomodava ao Rufus Pollock, da
OKFN, e ele me olhou com um verdadeiro desprazer. “Mapear a propriedade
ajuda a garantir que as pessoas que vivem da terra ou moram em determinado
local permaneçam em seus lugares”, ele me respondeu. Enfim... essa conversa
me colocou para pensar no que pode ser uma nova “assimetria de informação”
entre as pessoas comuns e os capitalistas – eles vão saber rapidamente o
que fazer com os mapas de terras públicas e privadas. E nós? Eu ainda acho
que transparência, abertura da informação, é melhor que o segredo, porque
no segredo quem se adianta e sabe muito bem que informação acessar e como
usá-la são os grileiros. Mas... um pouco de história é bom para tentar
entender porque as corporações esses países “avançados” podem fazer, do
acesso à informação, um novo campo para lucrar. Não, não foram só o carvão
e o ferro – nem toda a riqueza que a Inglaterra colonial espoliou de outros
países. Mas sem esses recursos naturais... nada de revolução industrial. E,
bem, que eu saiba aço ainda é feito de ferro e carvão, embora não haja mais
nenhum dos dois aqui na Inglaterra...


 3. Entender
Isso leva outra coisa de que eu gostei hoje. Foi da Anjali Bharadwaj, da
Campanha Nacional do Direito do Povo à Informação, na Índia. Tem a ver com
a tal assimetria de informação – que é um jeito besta que achei para nomear
diferenças na capacidade de acessar e entender informação. Era uma mesa que
se perguntava, afinal, se as pessoas comuns dão a mínima para as
informações públicas. Ela disse o óbvio, que sem informação as pessoas não
acessam direitos básicos. Mas... lá na Índia eles têm um trabalho bem
bacana de tornar essa informação inteligível – portanto, útil – para as
pessoas comuns. Fazem pedidos de acesso à informação, por exemplo,
perguntando quais são as atribuições de determinado órgão ou servidor
público. Vamos supor que a atribuição de um deputado seja fazer discurso.
Aí, esclarecido para que o cara (ou o órgão) serve, perguntam: mas você fez
quantos e quais discursos?

Criaram cartazes (report cards) dando informação sobre o que cada deputado
teria que fazer, baseados nessas atribuições legais. Levantar questões no
plenário. Gastar recursos para desenvolvimento local em determinados
locais. Participar de reuniões de comissões. E aí as pessoas cobram essas
responsabilidades específicas. “Informação pública é produzida, armazenada
e divulgada de maneira que as pessoas não entendem o que elas significam.
Há necessidade de simplificar, desmistificar e isso precisa ser feito até
que o governo entenda que precisa divulgar informações que as pessoas
entendam.”

Ela é tão bacana que, ao responder uma pergunta sobre a “exclusão digital”
(se não há banda larga não há acesso à informação e se não há recursos para
infraestrutura não há banda larga), insiste na importância da informação 1.
em linguagem de dia de semana e 2. em lugares onde as pessoas tenham acesso
a ela. Há uma infinidade de maneiras pelas quais se pode acessar
informação. Acesso à internet é muito importante, diz, mas “não é um
obstáculo insuperável. A informação chega às pessoas e isso tem mais a ver
com a vontade política. Os dados precisam estar nos lugares onde as pessoas
interagem com os serviços públicos e em um formato em que possam entender.
Pode-se pintar informação na parede das escolas. Não ter acesso à internet
não é um impeditivo, faz diferença na quantidade de informação.”

Anjali - http://www.lsralumna.org/alumna_month.php?id=11


 4. Ganhar uma grana
Teve gente daqui da Inglaterra, neste painel sobre “os cidadãos afinal dão
alguma importância à informação”, dizendo que já há muito dado liberado e
que as pessoas não usam... acho que já ouvimos isso. Mas decidi anotar aqui
porque o que acontece, aqui na gringa britânica, é que as pessoas começam a
discutir a necessidade de empresas especializadas em participação, em
dados, em coisas do setor público para entender e fazer entender como os
cidadãos podem usar toda essa informação. Um mercado, em uma palavra. Mas
aí o MPL vai precisar pagar alguém para processar e divulgar e lidar com as
informações da SPTrans?, pergunto aos meus botões. “Não”, responde um
amigo. “Pode fazer uma parceria, por exemplo, com órgãos de imprensa que
contratem isso”. Enfim. Pode parecer estranho, mas quando os caras falam da
riqueza criada pelos dados públicos abertos, estão falando nisso: em um
ambiente em que empresas descobrem como ganhar uma grana com eles. Aqui já
é assim.Tudo bem, significa que a gente um dia vai poder viver disso. Tudo
mal, significa que o rei mercado e seu amigo rei dinheiro podem ser os
intermediários entre a informação pública e seu entendimento -- que coisa,
logo quando a gente fica falando do fim da intermediação.


5. Leis
No painel sobre “afinal que cidadão quer saber de informação pública?”, uma
senhora da Estônia fez uma pergunta interessante. Sobre processos
legislativos ou de elaboração de políticas públicas. O Tiago Cardieri fala
disso faz tempo, mas ela colocou a pergunta de uma (duas) forma(s)
resumida(s). “Como se dá abertura ao processo de elaboração de políticas?
Como combinar processos complexos com dados abertos?” Acho que é isso que o
pessoal do Monitor Legislativo está fazendo. O que me leva ao outro painel
que assisti, em que foi anunciada a criação do Grupo de Trabalho de
Abertura no Legislativo da OGP.

Começou com o honorable Andrew Lansey, líder, Casa dos Comuns, Reino Unido.
Dizendo que ano ano passado eles publicaram 17 conjunto de dados sobre
projetos de lei (deve ser isso que quer dizer in draft). Que têm uma
ferramenta para que as pessoas comentem projetos online (a gente já fez
isso no Marco Civil :p). E que vão ter toda a legislação britânica
atualizada online em 2015 (o que significa que ainda não têm).

Depois veio um senador do Chile, Hernán Larraín, explicando que, ao
conhecer o que é a OGP e ver a simplicidade das regras – cada país propões
suas próprias metas e um monitoramento independente de governos acompanha o
cumprimento dessas metas – se perguntou porque isso servia somente para
governos (Executivos) e não para o Poder Legislativo. “O parlamento
representa, melhor que o Executivo, o espectro político” de uma sociedade,
ele disse. E contou que começou a articular o que apresentaram hoje.
Propuseram um grupo de trabalho sobre o Poder Legislativo na OGP, composto
por parlamentos e sociedade civil, para trabalhar em paralelo aos governos.
E começaram a convencer parlamentos de vários países a participar. Na
América Latina são 10 (o Paraguai deverá ser o 11º), incluindo o Brasil.
Tem informação sobtre tudo isso em
www.openingparliament.org<http://www.parliament.org/>.



 Desafios:

. ter dados do legislativo atualizados, online e acessíveis;

. como fazer com que um cidadão bem informado consiga encontrar as leis que
regulam algum assunto de seu interesse?

. e, quando o cara achar essas leis, como garantir que elas sejam
inteligíveis?

. e usar a melhor data science para fazer as leis (acho que quer dizer usar
as melhores ferramentas para enfrentar os desafios aí de cima).

Eles lançaram uma Declaração para a Abertura do Poder Legislativo (
http://publicmarkup.org/bill/opening-parliament-declaration/) no encontro
E-Parliament em 2012 e 135 organizações e 75 países aderiram. O Senado do
México é um desses apoiadores. Aliás, a Meta para 2015 do México é ter mais
da metade das casas legislativas daquele país apoiando a declaração.

… e lá no endereço deles tem um blog contando o que fazem.

Falaram de uma coisa legal: sete lições sobre a reforma da lei que regula a
velicidade de, hã, jet skys de neve. O assunto não é, há, quente, mas as
lições são interessantes porque a reforma foi feita por crowdsourcing:
http://thegovlab.org/seven-lessons-from-the-crowdsourced-law-reform-in-finland/


6. Poder
Enquanto eu ouvia a Anjali Bharadwaj falar e ficava encantada com o acesso
à informação pública na Índia, li no Twitter um cara chamado Andreas Pavlou
(@andreaspavlou). “Shocking to hear from Aruna Roy how open data & RTI can
be lethal. Sad to hear so many people r killed asking for govt info in
India! #ogp13”. Putz.

Perguntei a ela depois o que era isso e ela me disse que desde 2005 cerca
de 30 pessoas foram mortas na Índia porque pediram acesso a informações que
poderiam ferir interesses. Não eram interesses necessariamente mundiais,
podia ser o cara que queria entender porque remédios comprados pelo governo
não estavam sendo distribuídos ou porque determinado gestor público pagava
tanto dinheiro para fazer fontes em parques em uma comunidade onde não
havia acesso a água. Enfim. Disse a ela que achava engraçado isso, a
contradição entre um primeiro ministro se anunciar como campeão da
transparência ao mesmo tempo em que seu governo deteve, no aeroporto de
Londres, David Miranda. Um carioca que é o companheiro do Gleen Greenwald.
“Sim. Tudo tem a ver com poder...”, ela disse.

Daí pensei o seguinte: será que o cidadão quer esses dados todos?, se
perguntavam pessoas nos paineis. Enquanto isso, Sonowden está exilado na
Rússia, Greenwald no Brasil e Laura Poitras na Alemnha. Por divulgarem
informação. Que os governos – mesmo os campeões de transparência – não
querem pública.

The Global Principles on National Security and the Right to Information
(Tshwane Principles), ou Princípios Globais para a Segurança Nacional e o
Direito á Informação. É uma brochura que me entregaram no corredor e que
traz princípios para a divulgação de dados relacionados à segurança
nacional. Tiago Cardieri (de novo!) vem falando disso, de como a legislação
sobre acesso à informação, como o Marco Civil e outras leis que podem vir
por aí criam, sempre exceções relacionadas à segurança nacional e que, no
limite, podem servir de argumento pra não divulgar uma porção de
informações públicas – inclusive relacionadas a segurança nacional. Seus
problemas se acabaram-se!, caso esses princípios sejam seguidos. Ainda em
inglês :(
http://www.opensocietyfoundations.org/publications/global-principles-national-security-and-freedom-information-tshwane-principles

PS: a Irlanda está debatendo uma legislação sobre denunciantes
(whistleblowers, alguém sugere outra tradução?) como a Chelsea (ex-Bradley)
Manning. O princípio 48 de Tshwane (há 50) diz que: “Ninguém que não seja
um servidor público pode ser obrigado a revelar uma fonte confidencial ou
materiais ainda não publicados em uma investigação a respeito da divulgação
não autorizada de informações para a imprensa ou para o público.”


7. Brasil
O Brasil anunciou ontem um site sobre sua participação e suas metas na OGP (
www.cgu.gov.br/governoaberto/) . Lá está o Segundo Plano de Ação, com os
novos compromissos assumidos pelo país. Amanhã deve haver algo sobre isso.
Há um desconforto entre a sociedade civil (da qual eu faço parte, mas como
não fazia parte do debate, não acompanhei) e o governo sobre a divulgação
dessas metas e sobre como vai ser escolhido o Compromisso Mais Ambicioso
desse plano. Veja aqui:
https://groups.google.com/forum/?hl=pt-BR#!search/ogp-br/ogp-br/L9bw2gHbwGA/1EivJFt1HQYJ

E mais não digo, amanhã vou ver.


8. Não, eu não subi em nenhum ônibus de dois andares nem tirei foto em uma
cabine de telefone vermelha. Estou fingindo que é bem normal atravessar uma
ponte com o Big Ben de uma lado e a London Eye do outro, um leão gigante de
um lado e Bodicéia do outro, para trabalhar. Procuro não me lembrar dos
primeiros parágrafos do Coração das Trevas “...o braço do Tâmisa sobre o
mar se estendia sobre nós como o início de uma infinita de água...”


Mas não consigo achar normal passar pela Abadia de Westminster, como esse
povo faz, e não ficar nem impressionada. Aquelas pedras falam, juro, amanhã
vou tentar entender o quê. O único mico que paguei por enquanto foi tirar
fotos com o pessoal vestido para Halloween que está andando lá fora. E
comprar uma Peroni Nastro Azzuro na loja de conveniência para descobrir,
depois, que não dava para abrir sem abridor. E estranhar quando deixo um
recado para Gisele Craveiro em seu correio de voz, no hotel (cheguei,
queria encontrar vocês), eo cara da recepção guarda o papelzinho em que
escrevi o nome dela. Sem me dizer o nome do quarto em que ela está. E
depois de colocar, embaixo do nome, o número do meu quarto... sei lá, acho
que aqui não tem mais informação privada.
-- 
Patrícia Cornils
11 98372-7473

-- 
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