[ciência aberta]Telecomunicações: a entrega oculta

Sarita Albagli sarita.albagli em gmail.com
Quinta Novembro 10 11:42:06 UTC 2016


Telecomunicações: a entrega oculta
POR ANTONIO MARTINS

09/11/2016


Escândalo: sem nenhum debate com a sociedade, Congresso quer entregar às
empresas telefônicas infra-estrutura de 100 bilhões de reais, que deveriam
devolver em 2025

Pela Coalizão de Direitos na Rede

Sem promover um debate amplo com a sociedade, o Congresso Nacional quer
alterar a forma como são prestados os serviços de telecomunicações no
Brasil, reduzir o direito de acesso a eles e abrir mão de uma
infraestrutura fundamental para o desenvolvimento do país.

No contexto da crise econômica da Oi e para garantir privilégios às
operadoras, tramita no Congresso o Projeto de Lei nº 3453/15 que altera a
Lei Geral de Telecomunicações (LGT). Avança rapidamente, num Legislativo
marcado pelo conservadorismo. Foi aprovado hoje (9/11) na Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara. Poderá promover uma das maiores
transformações nas comunicações, radicalizando a privatização realizada em
1998.

E o que está sendo proposto?

Redução das obrigações dos contratos de telefonia fixa: se hoje existe uma
rede razoavelmente extensa de telefonia fixa no Brasil e o preço dos
serviços é relativamente barato, isso se deve ao fato de ela ser prestada
em regime público de concessão, aplicado aos serviços considerados
essenciais para a sociedade.

Isso inclui obrigações de universalização e cobertura, continuidade na
prestação dos serviços, rapidez na instalação e modicidade tarifária
(controle do preço das tarifas).

Caso o PL3453/15 seja aprovado, passaremos a um modelo de autorização, mais
flexível, com menos obrigações para as operadoras e direitos reduzidos para
o consumidor.

Além de alterar o caráter essencial do serviço, essa mudança gera um
impacto econômico sobre o Estado e a população que não está sendo
devidamente quantificado.

Transferência da infraestrutura pública para o setor privado: ao passar
para um modelo de autorização, quase toda a infraestrutura das redes de
telefonia fixa, que pertence à União e tem caráter estratégico por ser
usada também para levar conexão de banda larga, será “doada” para as
operadoras.

Em 2025, quando devem terminar os contratos de concessão sem possibilidade
de renovação, essas empresas poderão transformar os bens reversíveis que
são de propriedade pública em investimentos privados.

Estaríamos falando de um valor estimado em R$ 100 bilhões.

O PL 3453/15 quer também quer regularizar práticas das empresas que hoje
são feitas à margem da lei.

As operadoras já usam os recursos públicos da tarifa do telefone fixo para
investir na rede de internet, que são privadas, uma forma de subsídio
cruzado que é ilegal.

Proporcionalidade dos bens reversíveis: uma parte significativa da internet
que chega a diversas regiões do país usa a infraestrutura de telefonia
fixa, que no passado foi concedida às operadoras sob um modelo público e
que garante a reversibilidade dos bens, ou seja, ao final do término do
contrato os bens retornam à União.

Com a convergência dos meios de comunicação, em que as redes passaram a dar
suporte a diferentes serviços simultaneamente (telefonia fixa e internet
banda larga), essa infraestrutura acaba sendo usada para conexão de
internet numa proporção maior que o telefone fixo.

O que está sendo proposto no PL 3453/15 é que agora seja considerado
reversível apenas a parcela que corresponde hoje ao telefone fixo, uma
porção bem menor do que foi concedido no contrato, permitindo que as
operadoras tomem para si toda infraestrutura que é pública.

Um dos maiores problemas é que nem a Anatel consegue calcular com precisão
qual seria o valor desses bens.

Flexibilização dos contratos para áreas onde é constatada a concorrência:
sendo que os critérios para decidir se uma determinada cidade ou região tem
um mercado concorrente fica a cargo da Anatel.

No entanto, a Anatel já demonstrou que é incapaz de manter a
competitividade do mercado.

Segundo dados da própria agência, somente no Estado de São Paulo, onde está
concentrado mais de 45% do mercado de telecomunicações, duas empresas
concentram o market share da banda larga fixa: Claro e Telefônica detém 80%
do mercado.


Por que mudar a LGT?

Para o autor do projeto, deputado Daniel Vilela (PMDB/GO), o atual modelo
de concessão da telefonia fixa representa um empecilho para o investimento
em infraestrutura.

Ocorre que o prazo final dos contratos de concessão se aproxima.

Como os contratos não são renováveis, o deputado acredita que serão
reduzidos “os incentivos à ampliação e modernização da rede por parte das
concessionárias” e que isso resultaria na piora dos serviços prestados aos
usuários.

O discurso é de que a flexibilização das regras serviria de estímulo para
as empresas a investirem mais no serviço de internet, já que seriam
desoneradas das obrigações relacionadas aos contratos de concessão.

Na realidade, o que o Congresso está tentando fazer é destinar recursos
públicos para as empresas de telecomunicações e desonerá-las do necessário
investimento em infraestrutura de redes sem garantias concretas de que isso
se reverta em melhorias para os usuários.

Isso em um cenário onde as empresas como Telefônica (Vivo) anunciaram
lucros líquidos de 1 bilhão de reais por semestre em 2016.


A oposição da sociedade civil

Na última terça-feira (25/10), durante a audiência pública na Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), organizações como Proteste,
Intervozes e o Fórum Nacional pela Democratização das Telecomunicações
(FNDC) mostraram que o PL 3452/15 é incoerente com outras disposições da
Lei Geral de Telecomunicações de 1997, do Marco Civil da Internet e da
própria Constituição Federal.

Caso seja aprovado, o resultado seria a entrega de mais de 100 bilhões de
reais do patrimônio que é de toda a população brasileira, e que não é
verdade que se tratam de bens que não são mais valorizados pelos usuários,
já que hoje existe tecnologia que permita o uso de pares de fio de cobre da
telefonia fixa para o serviço de banda larga.

Já a Anatel alega que o regime privado é o que mais cresce no Brasil,
usando o exemplo da telefonia celular.

No entanto, como argumentaram as organizações da Coalizão, isso não é
garantia de universalização, nem melhoria na prestação do serviço.

Ainda, o acesso deve ser considerado um direito de todos e, portanto, deve
ser garantido pelo Estado. Isso só seria possível em um regime público ou
em um novo regime jurídico de serviços essenciais aplicado à Internet banda
larga.

Se um serviço de caráter essencial é prestado unicamente no regime privado
— algo expressamente vedado pelos criadores da Lei Geral de
Telecomunicações em 1997 — , coloca-se em risco o direito que a população
tem de ter acesso a esse tipo de serviço, pois relega a prestação aos
interesses comercias da operadora.

Se hoje muitas regiões no interior do país não têm acesso à internet, isso
se deve ao fato de as empresas não terem interesse comercial em levar
conexão a essas áreas remotas, um dos efeitos perversos de medidas de
desregulamentação como a proposta pelo PL 3453/15.

No mesmo sentido, caso uma empresa pare de operar no país, a infraestrutura
não voltaria mais para a União, não há garantia de continuidade no
oferecimento.


As alternativas que propomos

Em vez de acabar com o modelo de concessão da telefonia fixa, afetando
também a internet banda larga, deveria ser implementado um modelo de
regulação por camadas que institucionalize o direito de acesso à internet e
aos serviços de telecomunicações.

A Campanha “Banda Larga é Direito Seu!”, que reúne diversas organizações da
sociedade civil preocupadas com a universalização da internet, propõe que a
camada de rede (infraestrutura de redes de transporte), seja regulada no
regime público, estabelecendo metas de universalização e modicidade
tarifária, enquanto a camada de serviços de telecomunicações (oferta do
acesso até o usuário final) seja um regime privado.

Além de dar suporte às propostas da Campanha “Banda Larga é Direito Seu!”,
a Coalizão Direitos na Rede também propõe em uma nota divulgada aos
deputados da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania que:

sejam avaliadas as inconsistências na relação dos bens reversíveis e nos
procedimentos de controle e acompanhamento desse bens conforme já foi
indicado pelo TCU (ver relatório de auditoria);

a Câmara dos Deputados envolva a sociedade nas decisões técnicas sobre a
Internet, sobre os serviços de telecomunicações e sobre a universalização
do acesso, e promova uma reforma da LGT com foco no caráter essencial da
internet;

que não sejam mais propostas “soluções jurídicas ad hoc” e remendos
legislativos para resolver problemas das empresas de telecomunicações sem
propor uma política global para o setor, com respeito ao direito de acesso
(ver texto de posição do Idec e Ibidem);

o Ministério das Comunicações (hoje fundido com o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação) retome o debate público sobre um marco regulatório
para as telecomunicações, tendo como método participativo a plataforma de
criação do Marco Civil da Internet;

o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) esteja envolvido em qualquer
reformulação da LGT que afete o desenvolvimento da internet no país.
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