[ciência aberta]lançamento do site Em Rede

Alexandre Hannud Abdo abdo em member.fsf.org
Terça Fevereiro 14 18:54:55 UTC 2017


Oi Bia,

Agradeço à proposta interessante, não tenho como escrever nada mais
estruturado agora, mas se te convir fique à vontade para pegar o que
escrevo aqui ou o que já escrevi em outros lugares[0,1] sobre o assunto. Se
o fizer, não esqueça de na atribuição indicar a licença correta dos meus
textos, ou CC-BY para o que tiver escrevo aqui na lista.

Para começar é preciso lembrar que o que coloco segue a linha do que está
argumentado extensivamente em lugares canônicos[2,3,4] de projetos que
adquiriram escala e conseguiram transformar uma realidade global
(Wikimedia, Creative Commons, BOAI etc).

O que chamaria atenção no raciocínio de quem se sente atraído pela
restrição NãoComercial é:

1. a tendência a confundir a realidade material com a mensagem política
2. ignorar que ação coletiva requer interfaces comuns para ganhar escala
3. não considerar quem é de fato impactado pelas restrições impostas

"Controlar o uso comercial" parece ter uma mensagem super bacana e
revolucionária. Contudo uma licença de direito autoral não é um panfleto,
mas um instrumento legal. E são suas consequências materiais - por vezes
não óbvias - que vão dar sua real mensagem.

Ao adotar uma licença 'não comercial' você não muda em absolutamente nada a
realidade para os grandes interesses, que quando precisarem podem sem
titubear pagar pelo conteúdo ou criar sua própria versão. Isso pode ser um
pouco não intuitivo pra quem não tem familiaridade. A Elsevier ou a Globo
não tão nem aí pra se você licencia ou não seus trabalhos: o dia que
quiserem elas podem comprar você, e senão, alguém melhor do que você, e aos
múltiplos.

Já conteúdo em licenças livres, por sua vez, tem algum potencial de os
incomodar: o poder tem receio de construir sobre uma fundação na qual ele
não pode adquirir privilégios. Não que seja um impacto enorme, mas ajuda a
entender o diferente papel econômico. O impacto grande vem nesse mesmo
sentido, mas olhando para o novo.

(Um fato que fala por isso no caso do acesso aberto foi como as grandes
editoras comerciais saíram ostensivamente na defesa de uma licença 'não
comercial', sendo preciso muita pressão para conseguir-se adotar a licença
livre CC-BY como padrão - e ainda não por toda parte.)

Agora, olhando ao invés para a construção da realidade desejada, licenças
'não comerciais' dificultam ou impedem a difusão de ideias em diversos
meios solidários, assim como dificultam a pessoas solidárias de polinizar
ideias em outros meios. Ao mesmo tempo, criam um nicho incompatível com os
conteúdos livres, diminuindo o valor multiplicativo das redes de produção
do comum, sem nenhuma contrapartida.

E, talvez o mais crítico, obstruem possibilidades de usufruto legal, e
portanto em escala relevante, desse conhecimento por quanto menos se tem
capital. E ainda mais duramente para quem não tem nem o capital mínimo para
transacionar uma autorização, que logo viram uma cadeia delas pelo
aditivismo da cultura. Notando que tais transações tem um custo
significativo em tempo, e um requisito de capital intelectual e social para
sequer tê-las como opção.

Ademais, obstruem essas possibilidades mais agudamente nas regiões com
menos infraestrutura digital, onde mesmo o acesso à informação ainda tem um
custo econômico, e no no ponto mais vital para se criar uma comunidade
sustentável: em possibilidades de geração de renda.

Bem, essas são consequências num ponto de vista econômico.

Poderíamos também olhar de um ponto vista político, e para tomar um exemplo
a reflexão (um reflexo mesmo): "seria justo se eu pudesse ... autorizar
...". Temos aí, politicamente, um discurso inserido na lógica da exclusão,
onde se entende justificar um monopólio sobre algo abundante. Penso que, ao
invés de defender justiça através da exclusão, precisamos pensar em novas
ideias de justiça, que tenham uma base solidária e não na disputa.

[0] http://www.rea.net.br/site/faq/#c16
[1] http://www.revista.arede.inf.br/site/edicao-n-91-maio-2013/5621-raitequ
i-libertando-a-forca-do-comum
<http://www.revista.arede.inf.br/site/edicao-n-91-maio-2013/5621-raitequi-libertando-a-forca-do-comum>

[2] http://freedomdefined.org/Licenses/NC
[3] https://creativecommons.org/share-your-work/public-domain/freeworks/
[4] no caso específico de revistas científicas,
https://blogs.ch.cam.ac.uk/pmr/2011/12/04/more-on-how-commercial-publishers-use-non-commercial-licensing-funders-are-you-really-getting-your-money%E2%80%99s-worth-many-are-not/

Abs,
l
e
.~´



2017-02-12 14:30 GMT+01:00 Bia Martins <bia.martins em gmail.com>:

> Oi Abdo,
>
> Tudo bom?
>
> Então, eu tenho uma visão diferente. Em primeiro lugar, não acho
> contraditório, muito pelo contrário... Minha maior preocupação, em termos
> mais abrangentes dentro de toda essa questão da produção aberta ou entre
> pares, é com a sustentabilidade do comum.
>
> Me identifico mais com a linha do Dmytri Kleiner que defende diferentes
> tipos de permissão para diferentes atores sociais. Não entendo que isso
> represente um tipo de privatização do conhecimento, muito menos que
> favoreça o capital.
>
> Por um lado, pra mim, é mais uma forma mesmo de marcar essa posição, na
> defesa dessa visão. Por outro, entendo que seria muito justo que eu pudesse
> avaliar o tipo de uso comercial para autorizar livremente ou exigir uma
> contrapartida financeira, por que não?
>
> Mas sabe o que pensei? E se nós publicássemos esse debate no site? Vc
> toparia? Você poderia escrever um texto de umas 30/40 linhas defendendo sua
> posição e eu faço igual do meu lado. Publico e tento estimular as pessoas a
> entrarem na discussão.
>
> O que acha?
>
> Um abraço,
>
> Bia
>
>
>
>
> 2017-02-11 17:42 GMT-02:00 Alexandre Hannud Abdo <abdo em member.fsf.org>:
>
>> Oi Bia,
>>
>> Muito legal!
>>
>> Mas pq o 'não comercial' para o conteúdo da plataforma ?!
>>
>> Nem por ser meio contraditório, mas é um desperdício impedir que
>> informações e reflexões importantes sejam comunicadas o mais amplamente
>> possível.
>>
>> Só pra pegar um exemplo, se uma escola ou universidade privadas, um
>> jornal de grande circulação, ou mesmo um blog ou canal de youtube que use
>> de anúncios para se manter, quiser veicular legalmente um conteúdo
>> publicado ali, precisará pedir autorização. Daí, sem a licença pública, vai
>> envolver papelada, esforço, já era. E o que podia ser uma transformação
>> desaparece antes mesmo de sair pela porta. E esses são só casos de
>> conflitos óbvios que licenças 'não comerciais' criam, tem ainda todo o
>> outro lado que é preservar a dimensão de conhecimento como propriedade e
>> favorecer o capital, mas acho que nem precisamos chegar lá eheh.
>>
>> Abs,
>> .~´
>>
>>
>> 2017-02-11 15:57 GMT+01:00 Bia Martins <bia.martins em gmail.com>:
>>
>>> Amigos,
>>>
>>>
>>> Tomo a liberdade de divulgar na lista o lançamento do site Em Rede, que
>>> pode ser de interesse de alguns.
>>>
>>>
>>> O site se propõe a ser um espaço para reflexão e discussão de temas como
>>> Cultura Livre, Remix, Ciência Aberta, Economia P2P, Política em Rede e
>>> outros assuntos que têm a ver com os tempos atuais das redes eletrônicas.
>>>
>>>
>>> A edição de lançamento traz uma entrevista com o professor e ativista
>>> Sergio Amadeu, que alerta para a maior ameaça à liberdade na rede no País:
>>> o Congresso Nacional controlado por diversos lobbies que já conseguiram
>>> emplacar vários projetos de lei que, se aprovados, representarão tremendo
>>> retrocesso aos avanços estabelecidos pelo Marco Civil da Internet.
>>>
>>>
>>> Outro tema em destaque é o debate em torno da Economia do
>>> Compartilhamento x Cooperativismo de Plataforma, ou por que o Uber e o
>>> Airbnb não representam a economia colaborativa. Além de outros posts sobre
>>> Internet Livre e Ciência Aberta, o site traz ainda indicações de leitura e
>>> divulgação de cursos e chamadas para congressos e publicações.
>>>
>>>
>>> O novo espaço está lançado e a expectativa é que possa, aos poucos, ser
>>> ocupado por todos os que tenham interesse nessas questões e vontade de
>>> trocar ideias. Fica o convite para quem quiser entrar na roda e contribuir,
>>> com comentários, sugestões ou posts (vale textos, imagens, vídeos etc.),
>>> lembrando que Ciência Aberta é uma das áreas editoriais em destaque.
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>>> Aguardo a sua visita ;)
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