[ciência aberta]Declaração do México - LATINDEX, REDALYC, CLACSO e IBICT

Alexandre Hannud Abdo abdo em member.fsf.org
Quinta Julho 19 00:54:14 UTC 2018


Ni!

Bom, vamos lá... eu não ando com tempo mas é preciso lembrar algumas coisas.

0) A indústria editorial é a maior proponente das licenças NC, e foi a
duras penas que isso não se estabeleceu, mas o risco sempre paira.

0.1) Preciso explicar o porquê deles terem lutado tanto por isso?

0.2) Ok, explico: a licença NC preserva parte do monopólio e portanto é
mais condutiva à mercantilização do conhecimento.

A Elsevier está bem a par disso, e deve estar contentíssima com essa
declaração conjunta. Deve estar mais contente ainda que nem teve de pagar
gente para defendê-la.

A situação é a mesma de outros meios, como música ou cinema: os grandes
conglomerados sempre favorizam as licenças não comerciais, pois eles
entendem muito bem a lógica do capital, que não é o comércio, mas a
exclusão. Aonde há exclusão, há potencial de mercantilização e exploração.

Algumas observações que esclarecem isso:

1) Quando falamos de escolha de licença, estamos falando da "licença para o
público geral". Grandes editoras não são o público geral. Elas tem dinheiro
para comprar qualquer permissão que necessitem, ou os advogados, juízes e
políticos necessários para formar e burlar as regras que lhes convém. E, em
último caso, elas pagarão as multas ou indenizações que conseguirem passar
pelo calvário da justiça, e cujo pagamento já estava previsto na
precificação dos seus produtos.

2) Essa defesa do NC se apóia em parte no fato de numerosas revistas na
América Latina serem hoje organisadas por instituições públicas e
associações científicas. Assim também eram organizadas grande parte das
revistas científicas mundiais antes das grandes editoras as comprarem. E
elas apenas não compraram as revistas latino americanas por uma razão muito
simples: elas não vêem valor econômico algum, pois essas tem baixo impacto
internacional e os países aos quais interessam as tais editoras já sugam a
pouca seiva que têm.

2.1) Uma licença NC aumenta o motivo econômico para adquirir uma revista
pois permite formas de exclusão e portanto seu valor enquanto mercadoria.
Uma vez adquirida, fica mais fácil excluir a concorrência da provisão de
serviços agregados, pela própria liceça NC e por meios técnicos
independentes das licenças, como limites de acesso em massa.

2.2) Ver a realidade político-econômica da américa latina hoje e achar que
a comunidade acadêmica da região tem cacife para aguentar a pressão no dia
em que as grandes editoras tiverem motivo econômico para comprar suas
revistas só pode ser classificado como tremendo delírio. Especialmente
diante da realidade que as revistas latino americanas que atingiram alguma
relevância global já foram incorporadas, em ato contínuo. Num prazo médio
em quer perdure a tual conjuntura, não me espantaria até o SciELO ser
vendido, caso desperte o interesse.

3) Talvez o ponto mais crítico, pra não dizer triste: o principal (único?)
argumento da declaração para justificar a cláusula NC são os "motores de
busca", "descobridores" e serviços agregados em geral. Isso mostra um grave
desconhecimento da realidade legal e econômica. Uma licença NC não vai
impedir nenhum ator, comercial ou não, de prover uma grande parte desses
serviços, em particular os dois citados explicitamente.

3.1) Já parou para pensar que o Google indexa e fornece inúmeros serviços
analíticos sobre a Web? Já parou para pensar que 99% da Web tem *todos* os
direitos reservados? Fica a sugestão do quão efetiva será na prática uma
licença NC para o que a declaração pretende.

3.2) Ademais, qualquer luta contra esses usos, particularmente a adoção de
restrições NC, corre o risco de auto-sabotagem, pois a possibilidade de
mineiração de texto e dados sem autorização prévia interessa principalmente
à comunidade científica, que está longe de conseguir excessões universais
"para uso acadêmico" e que, mesmo se conseguisse, seguiria longe de ter a
competência e os recursos para fazê-lo na escala da própria demanda, sem
parcerias com atores de mercado com compromisso pró-abertura.

Isso nos remete a essa questão: em termos de força para equiparar as
ofertas de serviços das grandes editoras, as licenças NC deixam a academia
e sociedade civil impedidas de colaborar com iniciativas de
empreendedorismo pró-abertura, e dificultam a concorrência de pequenos e
médios empreendimentos com compromisso acadêmico (i.e. ContentMine
<http://contentmine.org/>, que inovou com uma cláusula pétrea pró-abertura
no seu contarto social), que não terão o capital jurídico para prevalecer
contra o risco de ataques, inclusive ataques das grandes editoras que serão
as primeiras a se aproveitar do NC para afogar a competição.

Enfim, eu não consigo ver sequer uma brecha pela qual uma licença NC fará
qualquer bem nesse contexto que não seja na escala de tempo a mais míope.
Se há, com grande probabilidade não se trata de um rombo pelo qual ela
pudesse fazer mais bem do que todos os problemas que ela causa.

Sem falar no custo político de mobilização por quebrar o discurso de acesso
aberto em dois, dando munição para as grandes editoras defenderem uma
licença que já defendem pois lhes convém. Nem é preciso entrar nisso.

Igualmente não há necessidade de discutir que adotar uma licença
incompatível com o acesso aberto internacionalmente estabelecido será mais
um fator de opacidade ao resto do mundo para a produção acadêmica da
américa latina.

Falando em termos mais gerais, o fato é que direito autoral é o instrumento
errado para levar essa luta. Isso não foi evidente de imediato, mas em
repetidas iterações percebeu-se que, para os interesses mesmo de médio
prazo da ciência, era preciso evitar ainda a cláusula SA (CompartilhaIgual)
para publicações e, para dados científicos, preferir o domínio público.

Há, pour outro lado, instrumentos adequados para essa luta. E é lamentável
que essa declaração nem sequer os menciona. Uma declaração com sentido, e
impacto positivo e não negativo para os fins propostos, seria conclamar o
dito "sistema latino americano de acesso aberto" a:

A) Integrar-se com urgência aos bancos de dados CrossRef e OrcID. Estes são
os dois principais esforços que ameaçam materialmente o monopólio das
grandes editoras sobre os ditos "serviços agregados".

B) Financiar infra-estruturas e pesquisas acadêmicas em consórcio para o
desenvolvimento de serviços agregados ao acesso às publicações e dados, em
parceria com o setor privado local pró-abertura.

C) Reforçar, inclusive através de mandatos institucionais, o uso de
licenças mais permissivas (CC-BY para publicações, CC-Zero para dados) que
nivelem o campo de jogo e garantam que toda a sociedade terá a
possibilidade de fruir do conhecimento produzido, sem privilegiar quem tem
capital jurídico, e independentemente de quem controlar as instituições no
futuro.

Bem, parei por aqui que tá tarde, e antes que isso vire uma lista para
papai noel ;-)

.~´



2018-07-05 22:47 GMT+02:00 Miguel Said Vieira <msv em dev.full.nom.br>:

> Concordo com o Tel, pessoal. Eu acrescentaria que esse caso mostra que às
> vezes há diferenças significativas de contexto (na América Latina o acesso
> aberto foi historicamente custeado sem fins lucrativos, em particular pelo
> setor público; as grandes editoras tradicionais, cujos modelos de negócio
> já fazem uso das publicações em acesso aberto -- para produzir "serviços de
> valor agregado" ou inteligência de negócios --, são de outra região, e do
> setor privado); essas assimetrias precisam ser consideradas com cuidado
> quando argumentamos em favor de soluções uniformes (uma licença para todos).
>
> Abraços,
> Miguel
>
>
>
> On 07/05/2018 12:55 PM, Tel Amiel wrote:
>
> olá pessoal,
>
> eu acho que o debate em torno da cláusula NC não vai ser contornado com
> facilidade, e o problema se dá em grande parte porque somente 6 licenças
> não contemplam as demandas de uma pluralidade de atores e contextos. por
> muito tempo fui absolutamente contra a adoção da cláusula, mas conversando
> cada vez mais com diferentes atores, percebo que é difícil encontrar
> soluções práticas para diversos de seus problemas de licenciamento.
> enquanto a discussão se dá no acesso aberto ao conhecimento científico
> (OA), creio essa defesa é mais fácil, mas em outros campos, é bem mais
> tênue.
>
> abraços!
>
> tel
>
>
> Em 24/06/18 19:39, Tatiane escreveu:
>
> Caros colegas,
>
> Na contramão das recomendações das Declarações de Budapeste, Betesdha e
> Berlim, da Open Knowledge Foundation, da Rede SciELO, entre outras
> instituições e documentos gerados pelo Movimento de Acesso Aberto, a
> LATINDEX, REDALYC, CLACSO e IBICT lançaram, em 15 de dezembro de 2017, a
> Declaração do México, que reivindica e apoia o uso da Licença CC BY-NC-SA
> para garantir a proteção da produção acadêmica e científica em acesso
> aberto, restringindo a apropriação dos resultados de pesquisa para fins
> comerciais.
>
> A preocupação central do documento é impedir que as editoras se apropriem
> da produção em acesso aberto licenciada em CC-BY.
>
> Contudo, ao ler e estudar um pouquinho alguns documentos que mostram os
> limites da adoção da licença CC-BY-NC-SA para o uso e disseminação livre do
> conhecimento, me questionei se este caminho (Declaração do México -
> LATINDEX, REDALYC, CLACSO e IBICT) não seria um retrocesso aos avanços que
> foram gerados a partir de ações e debates que se nortearam pela perspectiva
> do comum e da ética hacker.
>
> Observo, em alguns debates, que diversos grupos adotam a licença Creative
> Commons mais restritiva (BY-NC-SA) pela falta de compreensão do que esta
> licença significa. Assim, seria muito interessante que o grupo, que é um
> espaço de trocas e aprendizagem, pudesse debater essa questão.
>
> Em meu trabalho, por exemplo, propomos a licença BY-SA, mas fomos
> derrotados pelos gestores, mesmo com todas as explicações e documentos que
> apresentamos. Inclusive agradecemos ao Alê por este texto: ABDO, Alexandre
>  Hannud . Libertando a força do comum. Revista AREDE. Disponível em *http://www.revista.arede.inf.br/site/edicao-n-91-maio-2013/5621-raitequi-libertando-a-forca-do-comum
> <http://www.revista.arede.inf.br/site/edicao-n-91-maio-2013/5621-raitequi-libertando-a-forca-do-comum>*
>  .
>
> Entendemos, assim, que teremos que trabalhar num processo de formação, com
> o apoio de especialistas que nos ajudem a mostrar que as licenças mais
> abertas (BY e BY-SA) fortalecem a cultura do comum.
>
> Gostaria muito de ouvir a opinião do grupo sobre a Declaração do México:
> http://www.accesoabiertoalyc.org/declaracion-mexico-pt/
>
> Abraços,
>
> Tatiane
>
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