[okfn-br] Palavra Aberta?

Leandro Salvador leandrosalvador em gmail.com
Segunda Abril 29 23:23:37 UTC 2013


Olá Pessoal, belo tópico de debates!

Alexandre, interessantíssima essa sua articulação da teoria liberal e da
prática sustentada a partir do liberalismo enquanto discurso. Isso me
remete a um livro muito revelador dos nossos tempos: "A Doutrina do Choque:
a ascensão do capitalismo de
desastre<http://en.wikipedia.org/wiki/The_Shock_Doctrine:_The_Rise_of_Disaster_Capitalism>,
de Naomi Klein". Nesse livro (Arthur, você já leu né?) a autora demonstra
(ela não teoriza, ela demonstra!) como o pacote ideológico de matriz
liberal foi instalado, na prática, ao redor do mundo. São várias
experiências concretas. O livro é lindo, ainda que a experiência seja
indignante. Em síntese, o pacote da liberdade total leva a assimetrias de
poder que colocam a própria liberdade em contradição lógica (e prática).
Então, não há como defender-se liberdade sem estabelecer limites à sua
expansão. Acho que é esse o ponto rico de nosso debate: *quem estabelecerá
esse limite*?

Sobre o conchavo entre as classes política e econômica, penso que ela é
inevitável no atual esquema de Estado Democrático de Direito que
construímos. Foi um Estado projetado (leitura minha) para articular entre
dois pólos: ou Estado Total (fascismo), ou Estado Mínimo (liberalismo).
Certamente há outras perspectivas, mas limito-me a estas. Uma justificativa
que os liberais usam para o fracasso das experiências de Estado Mínimo é
que nunca, em qualquer delas, a experiência foi até o limite necessário
para gerar-se prosperidade a toda a população, conforme "Visão e Missão" da
proposta. E acho, de verdade, sensacional e sofisticado o argumento: ele
protege o próprio fracasso do minimalismo liberal pela sua não
radicalização! Sempre faltou alguma coisa, etc. etc. O bacana é que há
teóricos (e leigos) que realmente acreditam nisso.

Em tempo: a solução soviética, que muitos rotulam de socialista, a mim (e a
ideia certamente não é uma "sacada" minha), foi uma experiência fascista,
com todos os pressupostos do capitalismo em pé, tendo como diferença
essencial que a economia não era de mercado, mas planificada. Experiência
autoritária e fascista, em todo caso. Então, que não articulemos o
socialismo real (SOREX) e o capitalismo como opostos porque, de fato, estão
no mesmo pólo.

-ismo é um sufixo de origem grega que exprime a ideia de doença. Nas
Ciências Sociais foi ressignificado e etc., mas não deixa de ser um rótulo
com conotação negativa. Só para registrar que, às vezes, quando escolhemos
esse ou aquele rótulo para expressar o que queremos dizer, pode não ficar
claro se subscrevemos a negatividade do "ismo" em questão.

A democracia contemporânea, virtude defendida nos principais discursos, é
democracia mesmo, ou democratismo? O sujeito que a defende acredita mesmo
que democracia é um valor em si, ou a utiliza apenas como recurso retórico?

Felipe, imprensa (em papel) pode estar se tornando um negócio problemático,
mas fiquemos tranquilos que soluções não faltam para sustentarem-se: há
diversos governos que compram pacotes fechados de exemplares em papel para
suas redes de ensino, gastam muitos milhões em pubilcidade e etc. Mas o
ponto não é esse. Qualquer um faz um jornal ou um blog, mas o espectro de
frequências de rádio e TV é limitado, esse é o ponto relevante, acredito. O
mundo, ainda, assiste mais TV do que lê nossos blogs. Se TV for um mal
negócio, aceito toda a malha da Rede Globo de bom grado, você não? :)

Parece-me que as opções não se limitam a liberalizar ou norte-koreizar. Não
há limites postos, não falamos aqui de física, química ou biologia. Penso
que precisamos qualificar melhor o conceito de controle aqui nesse debate.
Uma coisa é um governo que controla os meios de comunicação e faz
propaganda e etc., que coloca o comando da mídia nas mãos de alguma pessoas
(ligadas ao governo, ao partido, tanto faz). Outra coisa é a ausência total
de controle que leva a seu exato oposto opressivo: por não ter qualquer
controle, avassala não conforme os interesses do governo ou do partido, mas
da empresa. Um desses controles é melhor do que o outro? ;) Acho que a
resposta a essa questão é reveladora da visão de mundo, porque muitos
preferirão uma mídia controlada por empresários do que por políticos,
desarticulando do raciocínio a possibilidade de controle democrático.
Porque não há vácuo né? Alguém controlará e dará as regras.

Concordando com o raciocínio do Arthur, o que defendem aqueles que são à
favor de que a mídia não tenha limites democraticamente estabelecidos
talvez tenha como pano de fundo um ceticismo quanto à democracia. Será
isso? Será que democracia é sinônimo de Estado fascista e, nesse caso, é
melhor uma solução liberal em que cada empresário de mídia faça como achar
melhor? Desconheço essa fusão entre democracia e Estatismo. O que nos
questiono é se há alguma outra instituição contemporânea, que não o Estado,
onde a sociedade (o "demos") possa organizar-se democraticamente para
estabelecer princípios para o funcionamento dos meios de comunicação.
Prefiro a criação de espaços democráticos para esse fim do que contar com
um bom senso inexistente de um empresariado interessado na negação desses
espaços democráticos e na confusão disso com fascismo.

Agora... preciaríamos mudar o Estado, torná-lo menos patrimonialista,
clientelista e ocupado por oportunistas que fazem conchavo com interesses
econômicos, e torná-lo mais democrático, transparente, responsivo. Mas
entenderei tranquilamente um empresário que discorde dessa visão e prefira
um Estado interessadamente fraquinho, em conchavo com os interesses de
empresários fortalhões. Incompreensível é não-empresários defenderem
interesses de empresários, assumindo uma violência
simbólica<http://pt.wikipedia.org/wiki/Viol%C3%AAncia_simb%C3%B3lica>hegemônica
no nosso tempo.

Faz sentido? :)

Abraços e, a todos, obrigado pela oportunidade do debate!
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