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Everton Zanella Alvarenga tom em okfn.org.br
Domingo Julho 26 16:24:12 UTC 2015


Em 25 de julho de 2015 09:44, Heloisa Pait <heloisa em okfn.org.br> escreveu:

>
> Queria também agradecer a todos, foi um debate excepcional! Fiquei
> contente mesmo em ter participado!
>


Heloisa, que bom que gostou!! Eu não consegui na hora acompanhar todo o
debate pois tinha que fazer várias coisas durante, mas vários trechos do
vídeo no youtube e achei que tem muito o que podemos explorar a partir do
que foi discutido. Quando tivermos a versão editada, espero achar tempo
para escrever um post no nosso blog sobre o tema.



> A frase da Marina que você citou teve bastante repercussão na mídia.
> Gostei em especial do que Diego Escosteguy disse: "Marina reclama que o
> povo nada faz contra a corrupção. Ainda bem. As instituições - aquelas que
> já existem - fazem por ele."
>

Helo, pode passar o texto completo onde isso foi dito? Eu tendo a discordar
veementemente, pois está generalizando todas instituições, muitas delas
falhas, arcaicas e ainda em desenvolvimento. Ainda mais num país que vive
seu maior período de sua história numa democracia após décadas de uma
ditadura militar. E quando falamos de democracia, a qual democracia nos
referimos? Estamos falando da democracia liberal, que surgiu no século XVIII
<https://en.wikipedia.org/wiki/Liberal_democracy#Origins>. Apesar dos
avanços das instituições democráticas brasileiras desde o fim da última
ditadura, não devemos deixar de ver a crise ela está, crise que ocorre até
mesmo nas democracias liberais mais avançadas. Pensando só na França e
Estados Unidos, muito mais maduras que a nossa e tiveram lideranças
intelectuais no surgimento dessa democracia liberal, inspirando as
revoluções francesa e americana, suas democracias estão também em crise.
(1) E acho que isso está bastante relacionado com a crise civilizatória
(crise econômica, crise social, crise ambiental, crise política e crise de
valores) que estamos vivendo, enfatizado pela Marina Silva.

Hoje temos 7 bilhões de pessoas, no final do século XVII não tínhamos nem 1
bilhão de pessoas. Desde então tivemos diversos progressos (e. g., o
surgimento dos direitos humanos - só após o fim da segunda guerra
mundial!), mas nossos sistemas não estão atendendo a demanda da maioria da
população mundial. E acreditar que nossas instituições democráticas estão
sendo suficiente para diminuir a corrupção me parece muito ingênuo.

Só pensarmos no papel das escolas, que obviamente possuem um papel
fundamental para diminuir a corrupção. Não explicamos nada sobre como
funciona nossa política, não explicamos nada sobre o funciomantos dos
poderes de nossa república, não ensinamos nada sobre nossos direitos civis.
Falhamos até mesmo em ensinar a ler e escrever! Como podemos acreditar em
nossas instituições quando, ao pensar numa das mais básicas, podemos
elencar uma série de falhas gravíssimas para contribuir com o problema da
corrupção.

Claro que nossas instituições democráticas estão progredindo em relação a
época obscura das últimas ditaduras. E isso está contribuindo para diminuir
a corrupção de diversas maneiras. Mas isso não é suficiente.

Será que as pequenas corrupções do dia-a-dia vão ser resolvidas pelas
instituições? As pessoas vão parar de usar o jeitinho brasileiro por causa
de alguma entidade burocrática?

Seja a corrupção na política, sejam essas pequenas corrupções do dia-a-dia,
acredito que só teremos uma mudança cultural e efetiva quando os indivíduos
passarem a ter uma postura mais de protagonista do que de espectador
(pensando alto: questiono se nossa postura tão apática como meros
espectadores não tem a ver também com termos começado a a alfabetizar nossa
população numa época em que a TV surgira como grande meio de comunicação na
década de 60). A questão aqui é desenvolver a capacidade de assumir a
sociedade como seu problema, o povo como seu problema (coincidentemente vi
agora um vídeozinho onde Darcy Ribeiro
<https://www.facebook.com/IvanValentePSOL/videos/1025427200835495/> fala
justamente isso, um grande exemplo de pessoa que, de fato, assumiu e agiu
diante dos problemas da nossa sociedade), o que não é trivial, ainda mais
com nossa tendência de não sairmos de nossas bolhas.

Outro aspecto importante que eu vi nessa fala da Marina foi o fato de
simplificarmos os problemas como uma dualidade de visões (Partido A vs.
Partido B, visão X vs. visão Y etc.), o que acaba dificultando o diálogo
entre visões diferentes que almejam, muitas vezes, coisas parecidas.

Vou transcrever o que ela disse na conclusão de sua fala, esse trecho que
gostei:

"A política está, aos poucos, perdendo a capacidade de fazer a
transformação. Porque ele diz "Nós conseguimos liberdade para fazer
qualquer coisa, menos mudar o sistema. E se temos liberdade de fazer
qualquer coisa, menos mudar o sistema, esse leviatã está dizendo que nós
não podemos mudar nada. E a política precisa se reconectar com a sua
potência transformadora. É disso que se trata, é isso que está em jogo no
mundo inteiro. E talvez essa crise da civilização não seja a militância de
uma pessoa, de um grupo, de um partido. É a militância de todos ao mesmo
tempo agora. Mas para isso a gente precisa estar conectado na visão. Para
isso a gente precisa ter processos que sejam adequados e as estruturas
sejam adequadas. A visão não pode ser uma visão autoritária, a verdade não
está com nenhum de nós, ela está entre nós. Não pode ser uma estrutura
rígida, tem que ser uma estrutura flexível, com plasticidade necessária
para acompanhar a velocidade dos momentos. E obviamente que os processos
altamente democráticos, sem a pretensão de homogeneizar o sonho e diluir as
diferenças. Nós somos diferentes, sonhamos diferente, desejamos diferente.

Quando os projetos totalitários de direita ou de esquerda oferecem para
você um destino, é sempre muito na base de que nós somos iguais, estamos
todos caminhando numa mesma direção. Não é isso. Todo mundo tem interesse,
não é errado ter interesse. O erro é quando alguém de forma ilegimia impõe
o seu interesse ao interesse do outro. Depois do debate talvez a gente
falar um pouco sobre como é que vejo a liderança para esse mundo que está
se descortinando, qual é o papel da liderança, já que a gente não se pode
ficar refém apenas das estrutura e das lideranças carismáticas. Eu digo
isso com tranquilidade pois eu sei que tenho um certo carisma. Mas se
existe uma coisa para a qual eu quero usar o carisma que tenho, é para
convencer as pessoas que não dependam do carisma. O mundo complexo que
temos diante de nós exige sujeitos, que se coloquem como sujeitos. E se
colocando como sujeitos, assumindo suas *responsabilidades*.

Aqui no Brasil todo mundo está muito feliz de dizer que a culpa da
corrupção é da Dilma. Enquanto a culpada pela corrupção for a Dilma, o
Lula, o Sarney, o Collor, o Dom Pedro II e I, vai ter corrupção feia!
Quando a corrupção virar um *problema nosso*, acabaremos com a corrupção,
ou pelo menos criaremos instituições para coibí-la. Porque é praticamente
impossível com seres humanos imperfeitos. Pessoas virtuosas criam
instituições virtuosas. E instituições virtuosas corrigem as pessoas,
quando elas falham em suas virtudes. Então não é sustentável achar que a
corrupção é por causa de uma pessoa, de um grupo ou de um partido. Se for
assim, nunca vamos resolver.

Enquanto a escravidão era um problema dos senhores donos de escravos, tinha
escravidão no Brasil. Quando virou um problema de médico, advogado. de
engenheiro, de política, de todo mundo, acabamos com a escravidão. A mesma
forma com a democracia. Enquanto a ditadura era um problema de militares,
ditadura feia. Quando a ditadura virou um problema de político, de
religioso, de artistas, de jornalista de todo mundo, reconquistamos a
democracia. Isso é a dimensão da sustentabilidade politica, tem uma outra
complexidade que não se limita a dualidade esquerda-direita como a gente
simplisticamente está acostumado a dizer. A gente tem que olhar para o
mérito do que está acontecendo no mundo e trabalhar muito mais no campo dos
paradoxos do que a mera e simples dualidade opositiva."

E as últimas eleições deixaram bem claro o quão distantes estamos de
simplificarmos nossos problemas nessa dualidade opositiva. Acho que até
mesmo aqui entre nós isso pode estar ocorrendo.

(1) Sobre a francesa, recomendo esse documentário 'I didn't vote
<https://www.youtube.com/watch?v=jYYR0tfcSQs>', sobre a americana, parece
que o Lessig expõe bem alguns de seus problemas no seu 'Republic, Lost
<http://republic.lessig.org/>', mas nem precisamos dessa intelectualização,
estamos vendo nas ruas a partir dos movimentos de ocupação
<https://en.wikipedia.org/wiki/Occupy_movement>. E acho bacana a
perspectiva geral que o pesquisador português Manuel Arriaga dá no livro
'Reboot Democracy' <http://rebootdemocracy.org/> sobre os problemas com a
atual democracia, apontando suas principais falhas e propondo algumas
soluções, além de listas tentativas ao redor do mundo.

Também acredito que devemos usar os meios para aprimorar nossas
> instituições, com todo o respeito que elas merecem. Elaborei melhor essa
> idéia no texto que postei ontem em nosso blog, http://br.okfn.org. Aliás,
> quem tirou as fotos? Super obrigada!!!
>

Para registro nos arquivos da lista, o link para sua boa reflexão:
http://br.okfn.org/2015/07/24/tecnologia-e-representacao-substitutos-ou-complementares/

Foi a Isabela Meleiro, uma das voluntárias, quem tirou essa fotos, em breve
coloco no nosso grupo no flickr e algumas no Wikimedia Commons.

Tom
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