[ciência aberta]Nature Communications to become fully OA Fwd: [Open-education]
Miguel Said Vieira
msv em dev.full.nom.br
Quarta Setembro 24 17:49:36 UTC 2014
Carissimi,
segue abaixo um esboço do post que vou publicar no meu blog; comentários
ou sugestões são muito bem-vindos.
Tom, você estava sugerindo incluir links para textos como esse num post
específico do cienciaaberta.net, ou republicar diretamente?
Abraços,
Miguel
_________
*Periódico da Nature em acesso aberto "puro": já podemos comemorar?*
A editora Nature informou
<http://www.nature.com/press_releases/ncomms-oa.html> recentemente que,
em outubro, seu periódico /Nature Communications/
<http://www.nature.com/ncomms/index.html> se tornará de acesso aberto
"puro": todos os artigos publicados a partir de então poderão ser lidos
e reutilizados gratuitamente (a princípio eles entrarão no ar sob uma
licença Creative Commons-BY, que permite praticamente todo tipo de uso e
reuso). Até hoje o periódico era híbrido, publicando em acesso aberto ou
fechado de acordo com a opção do autor, mas agora ele será
exclusivamente de acesso aberto. O grupo que publica a revista /Science
/também já possuía um periódico de acesso aberto "puro", o /Science
Advances/ — mas parte dos artigos eram publicados sob a licença CC-NC,
que impede usos comerciais.
Pronto: os maiores bastiões da publicação científica tradicional dão
sinais claros de apoiar o avanço do acesso aberto. Será que já podemos
estourar as champanhes? É evidente que a notícia tem aspectos positivos:
vidas poderão ser salvas em países pobres, quando médicos, por exemplo,
tiverem acesso às informações científicas mais atualizadas — informações
que antes estavam fechadas atrás de um /paywall/ intransponível para a
maioria do terceiro mundo. Os trabalhos publicados sob acesso aberto
tendem a alcançar mais visibilidade, e isso pode beneficiar a pesquisa
de países como o Brasil.
O quadro, no entanto, é mais complexo do que parece. Nesses dois casos,
Nature e Science adotam um modelo específico de acesso aberto: o chamado
"modelo ouro"
<http://legacy.earlham.edu/%7Epeters/fos/overview.htm#journals>, em que
os custos da publicação são cobertos por uma taxa cobrada dos autores
dos artigos aprovados (o /article processing charge/, ou APC); o /acesso
aos artigos/ é aberto para leitores e usuários, mas o /acesso a esse
espaço de publicação/ é fechado aos autores que puderem pagar a
cobrança. No caso do /Nature Communications/, essa cobrança é de US$
5000 por artigo, uma das mais altas em qualquer periódico existente (em
2010, a maior registrada era de US$ 3900 — segundo o levantamento de um
artigo... em acesso fechado
<http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/asi.22673/abstract>).
Essa cobrança equivale a quase dois meses de salário líquido de um
professor brasileiro nas melhores carreiras de universidades públicas
(as de dedicação exclusiva). Quem aí topa pagar 15% de sua renda anual
para publicar /um /artigo? A Nature informou que dispensará o pagamento
da taxa para pesquisadores de uma lista de países mais pobres
<http://www.who.int/hinari/Global_HINARI_registered_2014.png> (mas que
não inclui Brasil, China, Índia, Paquistão e Líbia, entre outros), e
também para outros numa análise "caso a caso" — mas sem dar mais nenhuma
informação objetiva sobre essa política. (Palpito que é melhor não
apostar numa generosidade desbragada da editora que cobra US$ 32 para
quem quer ler um único artigo, ou US$ 18 para ler uma única seção de
cartas [!] de suas revistas
<http://www.nature.com/subscriptions/purchasing.html>.)
Por outro lado, a tendência mundial é que as instituições às quais os
pesquisadores estão vinculados (a universidade em que ele trabalha, ou a
agência de fomento à pesquisa que financia sua pesquisa) arquem com
parte dessas taxas, em parte pelo valor que atribuem à publicação em
periódicos de alto impacto. A Fapesp, por exemplo, oferece um apoio
específico para pagar essas taxas <http://www.fapesp.br/190>, e também
autoriza que elas sejam pagas com a chamada "reserva técnica" de bolsas
e apoios a projetos de pesquisa. Ocorre, porém, que a verba disponível
para esses auxílios é limitada, e em geral eles não são dados
automaticamente; no exemplo da Fapesp, os pesquisadores concorrem entre
si pela verba, e um dos principais critérios de avaliação é — como em
quase toda a burocracia acadêmica hoje — o histórico de publicações do
autor:
*Critérios de análise* [...]
a) Histórico Acadêmico do Solicitante
a.1) Qualidade e regularidade da produção científica e/ou
tecnológica. Elementos importantes para essa análise são: lista de
publicações em periódicos com seletiva política editorial; livros ou
capítulos de livros [...]
Ou seja, o pagamento pelas instituições tem boas chances de alimentar
uma espécie de espiral viciosa, em que pesquisadores que já publicam em
grandes revistas conseguem mais dinheiro e mais chances de publicar, e
os demais não.
O avanço do acesso aberto pela via do modelo ouro ainda envolve outro
risco: a proliferação das chamadas editoras predatórias. Trata-se de
editoras que fazem da publicação em acesso aberto (com pagamento por
autores) um negócio em que o lucro é maximizado por meio da redução
drástica dos padrões de qualidade exigidos na revisão por pares — ou
mesmo pela virtual eliminação da revisão: se pagar, publica-se. Por um
lado, esse modelo satisfaz as cobranças de produtivismo sobre
pesquisadores (cujas carreiras são avaliadas pelo crivo do lema
/publicar ou perecer/); por outro, ele explora o fato de que, no modelo
ouro, é possível tornar o ato da publicação em uma mercadoria, a ser
vendida a esses pesquisadores, e com isso obter altas taxas de lucro —
/mesmo sem recorrer ao monopólio baseado em propriedade intelectual/,
que era a chave do poder econômico das editoras científicas tradicionais
com publicações "fechadas". O uso de uma lógica estritamente mercantil
resulta, aqui, na poluição e degradação do acervo de conhecimento
científico da humanidade, pois o central para as editoras predatórias é
a maximização de lucro: a qualidade dos artigos é irrelevante, ou apenas
um fator secundário.
Evidentemente, não quero com isso dizer que a Nature tornou-se uma
editora predatória; mas existe o risco de uma lenta corrupção do
processo de revisão (para garantir mais lucros com publicações) em
editoras sérias mas com menos poder de mercado, assim como o risco da
multiplicação de periódicos fajutos, que fazem uma revisão por pares
apenas de fachada. Nesse último caso, infelizmente não se trata de um
risco hipotético: esse "modelo de negócio" escuso já é adotado em
centenas de periódicos <http://scholarlyoa.com/individual-journals/>.
Mas será que então estamos num beco sem saída quanto a esse problema da
mercantilização da publicação científica? Ele estará presente seja nos
periódicos fechados, seja nos de acesso aberto? Não necessariamente:
mesmo no interior do modelo ouro, há iniciativas positivas nesse sentido
— é o caso da Public Library of Science (PLOS) <http://www.plos.org/>,
uma editora em acesso aberto que cobra pela publicação, mas funciona sem
finalidades de lucro <http://www.plos.org/about/>; por conta disso, ela
não tem motivos para eliminar critérios de qualidade na seleção de
artigos com vistas a obter mais com a cobrança por publicação. E vale
lembrar, por fim, que o modelo ouro não é o único modelo existente para
a publicação em acesso aberto: a principal alternativa é o modelo verde
<http://legacy.earlham.edu/%7Epeters/fos/overview.htm#repositories>,
baseado em repositórios institucionais. Esse modelo impõe uma série de
desafios de coordenação e de custeio, mas a tendência é que nele a
publicação deixe de seguir uma lógica estritamente mercantil, e siga um
modelo mais próximo dos interesses comuns da sociedade e da comunidade
acadêmica; ele não é propriamente um substituto do modelo ouro (até
porque a princípio ele não é pensado para custear a revisão por pares),
mas é importante juntar esforços para fortalecê-lo, evitando que o
modelo ouro torne-se a única via para o acesso aberto.
On 09/23/2014 09:39 PM, Miguel Said Vieira wrote:
> Oi Alê,
>
> eu concordo com algumas das ressalvas que você fez (e até por isso
> havia escrito que me parece que o problema é /concentrar/ o acesso
> aberto nesse modelo). Pincei outros pontos em que discordo:
>
>> Diante disso confio muito mais em organizações independentes, como o
>> PLOS, que atua no mercado, encontrarem soluções para problemas e
>> propagá-las, do que soluções "públicas".
> A PLOS não é uma entidade pública, mas também não é exatamente "de
> mercado": é uma organização sem finalidade de lucro, e talvez até por
> isso seja capaz de fixar políticas mais amplas (e com critérios mais
> objetivos) de descontos para pesquisadores de países pobres (a
> política da Nature é vaga e cobre só os países de "low-income"; a da
> PLOS é bem mais objetiva e cobre os de "low-" e "middle-income").
> Nesse exemplo que você deu, a questão pra mim é menos se é "público"
> (estatal) ou não, e mais se segue uma lógica mercantil (em linhas
> gerais, a PLOS não segue).
>
>> Todos os demais problemas, como os mencionados periódicos
>> predatórios, só existem pelo absurdo que é o atual sistema de
>> contagem de pontos, decorrente da incapacidade cognitiva da academia,
>> e não vão melhorar com um ou outro modelo
> Nesse caso, acho que é relevante considerar que o modelo ouro "encaixa
> como luva" nos sistemas de contagens de pontos: a Fapesp tem uma linha
> de apoio pra pagar APCs, e o primeiro critério de avaliação é... o
> histórico de publicação. É meio que uma espiral produtivista: quem
> mais publica, mais terá facilidade pra publicar; a gente sabe que
> essa espiral é enorme e anterior ao próprio acesso aberto, mas o
> modelo ouro serve bem como mais uma engrenagem.
>
> De qualquer jeito, concordo que não dá pra ser uma crítica absoluta, e
> sim uma problematização dessa via e das suas potenciais consequências
> futuras (por exemplo, a ampliação dessa espiral produtivista, e a
> multiplicação das editoras predatórias).
>
> Aceitando a instigada do Tom, estou escrevendo um post com a minha
> posição sobre esse debate. :-)
>
> Abraços!
> Miguel
>
>
> On 09/23/2014 09:01 PM, Alexandre Hannud Abdo wrote:
>> Ni!
>>
>> Eu acho que devemos tomar cuidado sobre como criticamos a modalidade
>> de acesso aberto financiada por quem submete.
>>
>> Esse modelo resolve o principal problema que provocou o movimento de
>> Acesso Aberto: dar acesso à produção científica.
>>
>> E a lógica desse modelo é muito clara, coerente e positiva, propondo
>> que faz parte do custo de uma pesquisa financiar a sua disseminação.
>>
>> E quando todos tem acesso à produção, ainda faz-se justiça ao que as
>> nações desenvolvidas, os grandes publicadores de ciência, custeiam
>> proporcionalmente sua disseminação.
>>
>> Além disso, se editoras começaram a prestar novos serviços e os
>> pesquisadores começaram a usá-los, estão suprindo uma demanda e o
>> resultado instantâneo é positivo para todos os envolvidos.
>>
>> Podemos até perguntar se a demanda é artificial, se há desperdício
>> etc. Mas essas são coisas que, na discussão do acesso, apenas depois
>> de décadas de conivência e paralisia da comunidade científica
>> tornaram-se problemas.
>>
>> Na discussão desses novos modelos, são novos mercados ainda em
>> formação, diante de uma outra comunidade científica.
>>
>> Comunidade que, se capaz de coordenar-se, define as políticas de
>> remuneração e financiamento, que traz em si a demanda, que pode
>> determinar quem e como irá serví-la.
>>
>> Se incapaz de coordenar-se, tão menos poderá vir a substituir o papel
>> do mercado em atender essa demanda.
>>
>> E nisso chegamos a um ponto muito maior que Acesso Aberto.
>>
>> Não será um modelo ou outro de acesso que irá definir se a academia
>> será capaz de desenvolver inteligência conjunta para recuperar o rumo
>> da ciência junto à sociedade.
>>
>> Qualquer modelos pode ser saudável se a academia recuperar sua
>> racionalidade.
>>
>> E na atual conjuntura brasileira, acho muito engraçado se falar na
>> academia tomando conta de mais, quando mal dá conta de cuidar do que
>> já tem, de desenvolver perspectivas não antiquadas sobre como já se
>> organiza.
>>
>> Diante disso confio muito mais em organizações independentes, como o
>> PLOS, que atua no mercado, encontrarem soluções para problemas e
>> propagá-las, do que soluções "públicas". E o próprio PLOS já resolveu
>> esse problema apontado por vocês, pois só cobram para publicar de
>> quem tenha recursos para isso, quem solicita isenção justificada
>> publica gratuitamente.
>>
>> Todos os demais problemas, como os mencionados periódicos
>> predatórios, só existem pelo absurdo que é o atual sistema de
>> contagem de pontos, decorrente da incapacidade cognitiva da academia,
>> e não vão melhorar com um ou outro modelo, pois eles existiam com a
>> mesmíssima essência antes do acesso aberto, na forma dos bundles das
>> grandes editoras, e continuarão existindo e até piorariam num sistema
>> "público", com incontáveis publicações inúteis se acumulando por
>> corporativismo acadêmico e sendo incorrigivelmente financiadas pela
>> viúva.
>>
>> Então muita calma antes de tacar pedra em conquistas que efetivamente
>> melhoram a vida de centenas de milhares de pesquisadores, e bilhões
>> de cidadãos, nos lugares mais frágeis do planeta.
>>
>> Vamos aproveitá-las e nos apoiar nelas para construir outras, não
>> ficar comparando-as com irrealidades.
>>
>> Abs,
>> ale
>> .~´
>>
>>
>> 2014-09-23 18:35 GMT-03:00 Everton Zanella Alvarenga
>> <everton.alvarenga em okfn.org <mailto:everton.alvarenga em okfn.org>>:
>>
>> Esses pontos levantados por Ewout, Viviane e Miguel tem em algum
>> blog em português?
>>
>> Valeria muito posts de blog sobre o assunto. Inclusive sobre suas
>> teses. ;)
>>
>> O Ewout está acostumado com blogs, mas se alguém precisar de
>> ajuda, estou copiando a Jamila que poderá dar uma mão para
>> publicarmos no cienciaaberta.net <http://cienciaaberta.net>. :)
>>
>> Tom
>>
>> Em 23 de setembro de 2014 18:21, Miguel Said Vieira
>> <msv em dev.full.nom.br <mailto:msv em dev.full.nom.br>> escreveu:
>>
>> O modelo ouro também é o que viabiliza as chamadas "editoras
>> predatórias", que fazem da publicação em acesso aberto um
>> negócio em que o lucro é maximizado pela redução drástica dos
>> padrões de qualidade exigidos na revisão por pares -- ou
>> mesmo pela eliminação da revisão, na prática: se pagar,
>> publica. (Como a Viviane, discuti isso na minha tese.)
>>
>> Embora obviamente nem toda editora trabalhando com o modelo
>> ouro siga essa linha (é pouco provável que o acesso aberto em
>> Nature e Science, por exemplo, adote padrões de qualidade
>> inferiores), concordo com a avaliação de que é problemática a
>> tendência em concentrar o acesso aberto nesse modelo, em que
>> a publicação continua sendo uma prática bastante mercantilizada.
>>
>> Abraços,
>> Miguel
>>
>>
>> --
>> Everton Zanella Alvarenga (also Tom)
>> Open Knowledge Brasil - Rede pelo Conhecimento Livre
>> http://br.okfn.org
>>
>> _______________________________________________
>> Blog: http://cienciaaberta.net
>> Wiki: http://pt.wikiversity.org/wiki/Portal:Ciência_Aberta
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