[ciência aberta]Casos de impedimento institucional para o desenvolvimento de tecnologias livres

Ana Cristina Fricke Matte acris em textolivre.org
Sexta Setembro 29 11:13:50 UTC 2017


Rafael,
O caso que posso relatar é ambíguo.

A UFMG não seria, a princípio, um caso negativo desses, pois o Centro de
Computação, responsável pela tecnologia da universidade, usa e desenvolve
software livre: seus computadores tem Fedora, usam mailman, desenvolvem
módulos para o Moodle e participam de todos os eventos do Moodle, além de
estarem sempre abertos a soluções livres propostas pela comunidade. Além
disso, desde 2011 o chefe do setor de TI da faculdade onde trabalho faz
parte do grupo Texto Livre, por sua postura em relação a softwares livres.
Desde que assumiu o cargo (antes era um caos!), vem trabalhando no sentido
de estimular o uso de software livre e conseguiu impor a condição de não
compra de software proprietário quando há solução livre disponível, como
para o Office. E, especificamente em termos de desenvolvimento de software
livre, aqui na faculdade desenvolvemo desde 2007, para pesquisa, ensino e
extensão, no grupo Texto Livre.

Bem, quem dera fosse um mar de rosas.

Vamos por partes:

   - o desenvolvimento de software livre entra no Lattes como software não
   registrado, o que é uma inverdade, para ser livre, o software deve ter uma
   licença livre e existe, até onde sei, prerrogativa legal para isso. No
   entanto, isso não entra na planilha de produtividade da universidade, não
   conta ponto no currículo de quem desenvolve e não favorece a unidade que
   aceita esse tipo de produção. Já fui chamada na diretoria da faculdade, que
   tem tentado seguir a linha da ciência aberta, para ver como poderíamos
   aproveitar a produção nada discreta de software livre pelo meu grupo para
   melhorar os índices de produtividade da faculdade. Em momento algum me
   pediram para mudar as licenças. Como eu disse, a universidade não é contra
   o software livre, mas na prática não deixa espaço digno para ele. Como na
   reunião não chegamos a nenhuma conclusão, fui atrás de diversos órgãos da
   universidade para buscar saber o que fazer. Também busquei, você deve
   lembrar-se, ajuda na Associação de Software Livre sobre propriedade
   intelectual e concluímos que patentes e registros desse tipo negavam a
   liberdade, ou seja, propriedade intelectual sobre a ideia é sempre contra a
   abertura e a liberdade. Os órgãos da ufmg onde busquei orientação legal
   (pró-reitoria de pesquisa, agora não lembro o nome mas também um que cuida
   da parte legal da universidade) simplesmente não responderam. Até hoje não
   consegui satisfazer o pedido da diretoria (e que é meu desejo, afinal eu
   trabalho muito para desenvolver nossos softwares e não contar nada) e nem
   encontrar outra solução para o problema. Continuamos desenvolvendo SL,
   algumas vezes com apoio de agência de fomento (CNPq e FAPEMIG), mas sem que
   isso signifique nada em termos de reconhecimento na universidade.
   - Sobre o desenvolvimento de módulos para o Mooodle. O CECOM trabalha na
   direção da produção de software livre, mas nem todos os funcionários
   entendem ou aceitam essa premissa. O que acontece, então, é que algumas
   soluções muito úteis para o Moodle nem são licenciadas como GPL nem são
   devolvidas para a comunidade. Isso gera conflitos dentro do setor que não
   podem ser resolvidos porque a universidade não possui normas sobre isso,
   quero dizer: nem mesmo quando o chefe de setor parte do pressuposto de que,
   se desenvolvemos melhorias para um software livre, é normal e até um
   compromisso que essa melhoria retorne à comunidade do dito software, o
   funcionário que não concordar não tem obrigação legal de fazê-lo.
   - Isso acontece também na faculdade: se o setor de TI só instala
   LibreOffice, já que não compra licença de software, os outros setores e
   secretarias compram com verba própria o software proprietário e chamam a TI
   para instalar. Como faz parte de suas funções dar esse apoio, a TI é
   obrigada a fazê-lo e a faculdade, que queria economizar com software, acaba
   gastando igual. Exceto pelo grupo Texto Livre, cujos softwares estão
   disponíveis e são usados e forkeados pelos funcionários da TI em diversos
   momentos, outros softwares desenvolvidos em pesquisas por professores e
   estudantes, até mesmo softwares oficialmente livres, não estão disponíveis
   para uso da universidade (nem mesmo da faculdade) e não há nenhuma lei ou
   norma que obrigue ninguém a disponibilizar isso.
   - Ùltima observação: a universidade usa o SEER para revistas e o OCS
   para eventos, mas as licenças lá são livres somente porque quem cuida desse
   detalhe é o CECOM e a imensa maioria dos professores não presta atenção
   nisso. Meu primeiro livro em CC saiu em uma coleção licenciada em
   Copyright: nem negaram meu pedido, nem questionaram que fosse o único da
   coleção, simplesmente foi tratado como um detalhe irrelevante.  Estou faz
   tempo lutando para que, ao menos, a faculdade mantenha uma linha editorial
   online em CC, existe interesse mas nada ainda aconteceu. Para mim, isso
   devia ser norma das editoras de universidades públicas.

Minha conclusão é que a abertura para o software livre e a ciência aberta
na ufmg é uma tímida tentativa que ganha muito mais destaque sob holofotes
do que realmente merece. A reitoria não quer comprar essa briga, não assume
nenhuma postura que possa ser chamada de impositiva e acha que, com isso
garante liberdade, quando na verdade só garante incongruências. Se uma
universidade como a UFMG não tem coragem de assumir a política do software
livre e da ciência aberta em suas práticas, legalmente respaldadas, qual o
poder que temos de exigir que o CNPq mude esse critério e inclua o software
livre no Lattes como fator de produtividade?

Francamente, não sei, mas se quiserem minha ajuda pra bater lá na porta e
exigir isso, como pesquisadores, muitos dos quais são reconhecidos
formalmente como tal pelo CNPq, contem comigo.

Não sei se ajudei.

Depois quero ler seu artigo.

bjs

Ana

Em qui, 28 de set de 2017 às 12:39, Rafael Pezzi <rafael.pezzi em ufrgs.br>
escreveu:

> Pessoal,
>
> Sabemos que em geral não existe apoio institucional para o
> desenvolvimento de tecnologias livres pois, tipicamente, os critérios de
> avaliação de desempenho acadêmico são baseados em propriedade
> intelectual.  Já ouvi relatos informais sobre esta dificuldade atingindo
> outros níveis e estou buscando exemplo de instituições que dificultam o
> desenvolvimento de projetos e tecnologias livres de forma mais direta,
> seja por políticas oficiais ou informais que criam obstáculos para um
> funcionário ou pesquisador de licenciar seus projetos sob os termos de
> licenças livres. Gostaria de saber se alguém conhece algum caso deste tipo?
>
> Estou participando na elaboração de um texto sobre hardware livre e
> aberto na ciência e exemplos disto seriam ilustrativos do extremo que
> pode-se chegar.
>
> Obrigado,
> Rafael
>
>
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Ana Cristina Fricke Matte
Diretora Geral do Grupo Texto
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Professora Associada da UFMG
Laboratório SEMIOTEC - gab. 3097
Faculdade de Letras - UFMG
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