[okfn-br] Fazer-cracia
Everton Zanella Alvarenga
tom em okfn.org.br
Sábado Agosto 16 15:07:03 UTC 2014
Em 16 de agosto de 2014 10:53, Edgar Zanella Alvarenga <e em vaz.io> escreveu:
> Isso é o tipo de idéia que pode ser muito bonita na teoria, mas na verdade
> se for analisar mais a fundo vai encontrar diversos problemas. Um exemplo
> de problema, você pode canalizar o poder de decisão em certos temas de uma
> organização apenas para um grupo pequeno de pessoas que possuam maior
> conhecimento de uma área específica, ou pior, por razões históricas e não
> de competência necessariamente. Outro problema está no trecho que escreveu *"indivíduos
> escolhem regras e tarefas para eles mesmos e as executam"*, e se as
> regras e tarefas escolhidas pelo indíviduo não estão em sincronia com as
> idéias da maior parte do grupo? Por exemplo, lembro-me do Abdo enviando um
> email da lista fechada para a lista aberta, talvez por ele ver o papel dele
> em dar o exemplo de como uma organização mais horizontal e com maior
> participação da comunidade deve ser.
>
Claro que essa prática tem riscos. Você apontou apenas um. Podemos pensar
em outros, aqui uma lista (ver seção 'Danger'):
http://www.communitywiki.org/cw/DoOcracy
>
> E eu não entendo se você gosta tanto da fazer-cracia, por que continua a
> existir uma lista fechada para discussão de quais projetos serão realizados
> pela OKBR? Isso não vai contar o que você mesmo disse *"Responsabilidades
> ficam atribuídas para pessoas que fazem o trabalho, em vez de
> representantes eleitos ou selecionados"*? A responsabilidade de decisão
> dos projetos não está atribuída ao pequeno grupo do conselho que foi
> previamente selecionado por você? Ou teve uma eleição?
>
Foi selecionado por mim. Estávamos criando uma estrutura legal mínima, que
resultou no estatuto:
http://br.okfn.org/estatuto
Na minha opinião é preciso de alguma estrutura e definir processos, pois
pode acabar em casos em que surgem tiranias em grupos sem estrutura:
http://flag.blackened.net/revolt/hist_texts/structurelessness.html
No caso atual, o objetivo era criar uma organização sem fins lucrativos que
apoiasse o grupo local sendo formado desde 2011 <
http://wiki.okfn.org/Chapter/Brazil/people>, quando a Open Knowledge me
convidou para ser 'community coordinator' (coordenador de comunidade). Foi
esse meu desejo com o apoio de algumas pessoas mais ativas nesse grupo
local, com algum apoio da Open Knowledge Central para criar uma
*organização* sustentável (o apoio seria de 6 a 12 meses, que acabou sendo
na prática 5 meses, 4 eu trabalhando pro-bono).
Vou usar como exemplo a criação de um estatuto para mostrar como a
fazer-cracia pode funcionar. Após um grupo de pessoas apoiar e ver a
necessidade da criação de uma estrutura legal para as atividades que eles
vêm fazendo há anos, a Letícia envia e-mails para a lista do grupo local,
cria um pad, lista exemplos de estatutos, começa a redigir o texto de um
estatuto levando em consideração e comentários esparsos, mas ainda sem
algum corpo de estatuto. O estatuto vai sendo formado, a Letícia continua
pedindo contribuições (e-mail, telefonemas, conversas informais etc.) e o
corpo do texto vai sendo formado. Ela percebe que ainda falta muita coisa
para ter um texto esteja bom para a organização, então busca ajuda de uma
organização que dá esse apoio pro-bono e mais uma pessoa com experiência no
assunto, que recebeu uma contribuição financeira simbólica (da Letícia)
para sua redação, já que a Letícia não estava dando conta.
Coisas que a Letícia queria para a estrutura da organização era que tivesse
um 'board' (ou diretores da organização [1], no caso da OKBr o conselho
deliberativo, pessoas mais próximas e que *apoiam a construção da
organização*, todas com dedicação *voluntária*, esses não recebem nada
financeiro) e um conselho consultivo (pessoas do grupo local que vinham
apoiando nos últimos anos através de ações concretas, opiniões e
conselhos), assim como um conselho fiscal e, claro, alguém responsável pela
*execução* das coisas, exigência para essa estrutura mínima.
[1] Mais sobre algumas atribuições para os diretores, conselhos, executivo
etc. de uma organização de uma sociedade civil, sugiro o livro "Mais
dinheiro para sua causa", do Daniel Kelley <
http://www.amazon.com/Mais-Dinheiro-para-sua-Causa/dp/0988594242>. Livro
indicado por consultoras que dedicaram boas horas pro-bono para apoiar a
OBr.
E por que a Letícia fez essa estrutura e escolheu essas pessoas? Porque ela
era a *pessoa responsável* (apoiada por várias outras) para a criação dessa
organização e *fez escolhas* de *pessoas* de sua *confiança*.
E como as coisas começaram a funcionar, após algumas dezenas de pessoas
terem acordado um estatuto que regiria essa organização que daria suporte à
rede? Conforme o que está no estatuto.
A Letícia percebia da importância de criar um regimento interno para
definir coisas como esse processo de decisão. Com o apoio de uma
consultoria pro-bono e alguns voluntários, ela organizou um encontro para
fazer um planejamento estratégico da organização/rede. Mandou e-mails,
criou texto de blog, convidou por telefone, explicou a importância do
encontro, argumento que metade de um dia não era suficiente (e não foi),
entre outras coisas. Depois Letícia tinha que continuar a organizar o
documento do planejamento, reportar para o grupo, criar um regimento
(chamem o que quiser, sei que pessoas rebeldes devem detestar o termo)
entre milhares de outras coisas.
Ela convidou as pessoas do seu grupo para ajudar com isso, mas o máximo que
obteve foi, novamente, críticas pontuais e esparsas sobre diversas coisas
que foram surgindo na medida em que as coisas começaram a ocorrer (captação
de recursos, execução de projetos, lidar com conflitos, assinaturas de
cartas, contratações, pagamento de contas, viagens, negociações etc. etc.
etc.).
E agora, como será que essa história vai acabar? Como as coisas irão para
frente? A Letícia poderia sentar a cadeira na bunda e começar a escrever
esse processo. É claro que isso causariam várias críticas, ela ouviria de
várias pessoas que está tudo errado. E os motivos estão bem resumidos na
história da fazer-cracia que traduzi.
> Mas não veja meus questionamentos como uma provocação, realmente estou
> tentando entender o que realmente quer dizer com seu conceito de
> fazer-cracia e até que ponto acredita que isso possa ser seguido na
> estrutura da OKBR. Na prática, o que isso implicaria na OKBR?
>
A Letícia sabe que o modelo não é sustentável, que ela precisa de apoio,
tanto na execução quanto na concepção, como ocorreu em outros momentos. E é
para isso que ela está começando a pensar (e agir) em formas de melhorar a
estrutura criada, os processos criados ou em formação
>
> Ah sim, você tem algum outro exemplo de fazer-cracia seguido para a
> estruturação de alguma organização fora o evento Burning Man?
>
>
Não sei direito sobre o Burning Man, exceto o que o Abdo explicou sobre o
evento e as fotos que vi. Não sei muito sobre ele, apenas que não me agrada
a ideia, apesar de toda excentricidade dele.
Podemos pensar na Open Knowledge Conference que vi em 2011. Foi lá que vi
coisas *acontecerem* mesmo com claras limitações de recursos humanos e
financeiros - cartazes feitos a mão, pessoas trabalhando juntas, workshops
sobre diversos assuntos interessantes, uma rede global em torno de um
assunto que gosto se reunindo. Minha sensação era a de ter encontrado uma
grande afinidade com um grupo que queria ver *coisas acontecerem* com um
propósito comum que estou envolvido faz tempo.
-------------- Próxima Parte ----------
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