[okfn-br] Retirada da fazer-cracia e proposta sobre a meritocracia
Edgar Zanella Alvarenga
e em vaz.io
Quinta Agosto 13 12:51:44 UTC 2015
On 13/08/2015 13:31, Andres MRM wrote:
> Correndo o risco de voltar para a discussão filosófica, que era
> justamente o
> que estava tentando evitar... O texto que o Edgar passou defende que é
> preciso
> ter igualdade de oportunidade para a meritocracia valer? (porque foi
> isso que
> eu entendi olhando BEM por cima) A ideia que eu estava comentando,
> representada pelo trecho que peguei da página da wiki, é que não existe
> igualdade de oportunidade. Pequenas diferenças na vida de uma pessoa
> (no
> trecho fala de ser o primeiro ou segundo filho) farão com que ela tenha
> motivações, aptidões, visões de mundo distintas, não fazendo mais
> sentido você
> usar a mesma métrica para pessoas distintas.
Andres, o texto que eu passei não "defende" (necessariamente) nada. É um
texto filosófico sobre o conceito que está por trás em diferentes
cenários da idéia de meritocracia e igualdade de oportunidade. E expõe
diversos problemas e críticas, incluindo a falta de definição de
métricas e outros problemas com o conceito e possíveis soluções. Mas
reitero que isso varia de situação pra situação. Se estivermos falando
num contexto econômico os problemas e motivações são distintos do que se
estivermos pensando em aplicar num modelo organizacional. E repito:
meritocracia não implica verticalidade (como não implica a ausência
dela)!
Veja a relação próxima entre igualdade de oportunidade com meritocracia
nesta seção:
http://plato.stanford.edu/entries/equal-opportunity/#EquOppMer
Mas ainda não ficou claro o que se tem em mente ao se propor
meritocracia numa organização como a Open Knowledge. Pode-se estar
pensando, por exemplo, na escolha de pessoas em cargos bem definidos
(conselho fiscal, coordenadores de projeto, equipes atuando em projetos,
etc). De certa forma ao se pensar nesses cargos pode-se dizer que está
sendo definida uma hierarquia visando maximizar a eficiência/alcance dos
objetivos comuns/bom andamento organizacional ou dos projetos. Mas a
escolha de quem irá atuar em cada cargo pode ser realizado de forma
horizontal, por exemplo se tivesse um sistema de votação onde todos os
membros da organização pudessem participar. Mas daí recai na questão de
quem é considerado "membro" e qual sistema utilizado no processo
decisório.
Entenda que por trás do conceito "igualdade de oportunidade" está a
idéia difícil de ser alcançada na prática de que todos deverão possuir
as mesmas oportunidades (seja pra pegarem um cargo, vaga numa empresa,
vaga numa faculdade, etc), sem privilégios baseado em castas, grupos
étnicos, classes sociais, relações familiares, enfim. Daí pensa-se que a
escolha deverá ser feita apenas baseado no "mérito" que obviamente vai
depender completamente do contexto que estiver discutindo. O grande
problema é que, sim, pode-se cair em profecias que se auto realizam e
acabar utilizando isso como argumento pra perpetuação de preconceitos.
Pense por exemplo no sistema de vestibular para universidade públicas no
Brasil. Pode-se argumentar que quem entra é escolhido pelo mérito, quem
estuda mais, quem é mais comprometido. Mas isso desconsidera
completamente a história, os diferentes contextos culturais e
educacionais num país com tanta desigualdade como o Brasil. Se quiser
ver outros bons exemplos onde o conceito meritocracia foi utilizado para
justificar a perpetuação de preconceitos eu sugiro o livro (não só por
isso, mas também por o livro ser excelente food for thought, mesmo que
não concorde com tudo que ler lá) "Sapiens: A Brief History of
Humankind" do historiador Yuval Harari, quando analisa as desigualdades
econômicas e sociais da população negra nos EUA que persiste até hoje
mesmo após o término da escravidão (argumenta até que aumentou!).
Ou se formos pensar no contexto acadêmico, quem recebe promoções de
cargos, verbas para projetos, bolsas etc Pode-se argumentar que
organizações como a USP/Fapesp/CNPq fazem isso baseado no mérito
acadêmico. Mas daí recaimos em problemas como os que o Jorge citou ou
critérios como número de publicações/citações que geram uma dinâmica
onde o "rico fica mais rico".
Agora se formos pensar na meritocracia aplicada na escolha de cargos
políticos. Imagine que interessante seria se as escolhas dos ministérios
fossem realizadas baseado no histórico dos candidatos aos cargos,
especialmente no que se refere para obter um bom desempenho ao cargo
específico. A dinâmica seria com certeza bem distinta da atual no
Brasil, onde pessoas "aleatórias" são escolhidas como moeda de troca de
poder político. Não teríamos idiotas como o Feliciano no cargo de
presidente da Comissão de Direitos Humanos por exemplo, pessoas que
nunca fizeram um projeto na área de Esportes para o Ministério de
Esportes, etc
E por fim, pode-se argumentar que a luta por dados abertos e
transparência no planejamento e execução orçamentária do governo, está
fortemente ligado com o fato de querer oferecer igual oportunidade para
qualquer membro/grupo da sociedade poder avaliar e julgar o desempenho
governamental de forma concreta baseada no mérito, ao invés de apoiar-se
apenas em propagandas do Estado ou dinâmicas que se assemelham a escolha
de time de futebol (PT é ruim buuuuh! PSDB é o melhor!!!).
Enfim, eu ainda acho que a discussão poderia ser mais produtiva se
tentassemos ao menos definir brevemente no que estamos interessados em
discutir, ao invés de ficar nessa cacofonia dissonante onde boa parte do
resultado é apenas ruído e ninguém ouvindo ninguém.
E.
> Mas voltando ao ponto principal, o que estávamos aplicando desde março
> havia
> sido acordado coletivamente (inclusive com você, Tom) fazendo daquilo
> um
> consenso. Se acha que algo não deu certo, e quer mudar, acho ótimo.
> Temos
> sempre que rever nossas práticas e aprimorá-las. Mas o que exatamente
> não deu
> certo? Será que não conseguimos tratar esses pontos ao invés de romper
> com
> tudo ficar discutindo valores sem saber direito as implicações deles?
>
>
>
> [2015-08-13 07:50] Everton Zanella Alvarenga:
>
>> Olá Gustavo.
>>
>> Seja bem-vindo. Eu gostaria de registrar que gostei muito de sua
>> intervenção
>> para auxiliar na chegada de um consenso sobre o tema proposto. Essas
>> formas de
>> avaliação social é justamente o que acredito que podemos chegar e
>> gostei da sua
>> proposta em tentar achar uma intersecção.
>>
>> Concordo plenamente que essa leitura atual do significado de
>> meritocracia está
>> contaminando a discussão, por esse motivo, desde o começo, eu disse
>> "Fica aqui
>> a proposta para a meritocracia ser um de nossos valores como
>> organização. E
>> depois podemos escrever uma redação o que queremos dizer com isso, já
>> que nem
>> sempre ela se aplica (e. g., quando as condições iniciais e de
>> ambiente não são
>> de igualdade)."
>>
>> Desde a proposta inicial da discussão, eu alertei que a meritocracia
>> nem sempre
>> se aplica, citando um exemplo das desigualdades. Por isso mesmo acho a
>> sugestão
>> de leitura do Edgar na enciclopédia de filosofia de Stanford sobre
>> igualdade de
>> oportunidade é muito válida.
>>
>> Algumas manifestações parecem expor algo que já discutimos aqui em
>> outros
>> contexto, a tirania do pensamento único, muito manifestado nas últimas
>> eleições
>> e que resultaram numa polarização pouco salutar, cuja principal causa
>> é, na
>> minha opinião, a intolerância com formas diferentes de pensar.
>>
>> Agora temos que buscar quais seriam essas formas de recompensa diante
>> do nosso
>> trabalho, que deve ter um propósito mais claramente definido. Numa
>> outra
>> questão, que também causou divergências muito disruptivas, ficou claro
>> que há
>> pontos de vista diferentes sobre os rumos da organização e como ela
>> deve ser
>> conduzida. E teremos que aprender a trabalhar juntos com as diferenças
>> ou cada
>> um criar seu empreendimento, após acordado civilisadamente que
>> discordamos.
>>
>> Mas o caminho é esse, busca o consenso e seu olhar mais externo trouxe
>> luz para
>> a discussão. Vamos tentar achar esses mecanismos que apontou e ver as
>> vantagens
>> e desvantagens de cada valor sendo proposto (curiosamente, ambos
>> valores foram
>> propostos por mim e um deles estou revendo ;).
>>
>> Everton
>>
>> Em 12 de agosto de 2015 16:43, Gustavo Sales <vatsu21 em gmail.com>
>> escreveu:
>>
>> Olá, pessoas. Tudo bom?
>>
>> Resolvi fazer minha primeira contribuição e em tema controverso. É
>> um risco
>> que assumo. Afinal ainda estou tomando contato com a cultura da
>> OK-Br.
>>
>> Assim, peço, antecipadamente, desculpas caso minha intenção em
>> colaborar
>> esteja fora do momento e/ou do foro adequados.
>>
>> Ao que puder perceber, há por um lado a preocupação com uma
>> melhoria na
>> governança e por outro o receio que questões levantadas na
>> sociedade sobre
>> a meritocracia contaminem a organização.
>>
>> Gostaria de dizer que, com o olhar ainda não enviesado pela
>> política
>> organizacional, vejo uma intersecção interessante que talvez possa
>> ser
>> explorada.
>>
>> Com certeza, a fazer-cracia é importante para que as iniciativas
>> tomem
>> forma com o mínimo de "fricção" organizacional possível. Por outro
>> lado,
>> talvez os resultados do que se faz podem não ser adequados àquilo
>> que a
>> organização necessita. Se fiz uma leitura correta e esse é o
>> problema de
>> governança que se apresenta, acredito ser possível explorar formas
>> de haver
>> controle social dos resultados apresentados. Em outras palavras,
>> não
>> haveria motivo para ferir a fazer-cracia em si, mas sim a adição
>> de
>> mecanismo para avaliação das ações.
>>
>> Assim, as "recompensas" organizacionais não seriam apenas pautadas
>> em quem
>> mais fez, como seria na "fazer-cracia", mas também seriam pautadas
>> na
>> avaliação social das ações (pode-se argumentar que há análise de
>> mérito
>> neste quesito).
>>
>> Sendo assim, não haveria imposição alguma à livre-iniciativa
>> dentro da
>> organização, mas estaria-se endereçando a preocupação com a
>> governança.
>>
>> Uma possível forma de implementação, seria uma avaliação das ações
>> por
>> parte de todos envolvidos em dada ação. Poderia-se implementar tal
>> avaliação em ambiente eletrônico, com indicadores como, por
>> exemplo:
>> aderência aos objetivos da OK-Br, observação de prazos negociados,
>> atingimento das metas estabelecidas pelo grupo participante da
>> ação, etc.
>> Tal avaliação poderia ser 360 graus.
>>
>> O que acham? Acreditam que em algum ponto deste email há algo que
>> possa ser
>> expandindo para a construção de consenso mínimo sobre o tema?
>>
>> Muito obrigado pela paciência com o novato aqui :D
>>
>> Forte abraço,
>>
>> Gustavo
>>
>>
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